Empreendimentos criativos estão gerando empregos para mulheres, jovens e LGBT, e têm forte compromisso com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela ONU. Faltam, no entanto, políticas públicas para estimular o setor e trazer mais benefícios à sociedade. Estas foram as principais conclusões do Mapeamento do Empreendedorismo Criativo e Social no Brasil, desenvolvido pela Social Enterprise UK e pela Catavento, e realizado com o apoio da Developing Inclusive and Creative Economies (DICE), uma iniciativa do British Council.
O estudo foi apresentado na noite dessa quarta-feira (4) na Casa Firjan, no Rio de Janeiro, para uma plateia de empreendedores sociais e atores que desejam impulsionar atividades nesta linha, como Domingos Leonelli, presidente do Instituto Pensar e membro da Executiva Nacional do PSB.
A ampla pesquisa, realizada Brasil afora, reuniu respostas de 666 empreendedores sociais e criativos, a fim de responder a uma pergunta essencial: estes negócios produzem maior impacto social do que as empresas tradicionais? Os dados coletados mostram que sim, e de forma avassaladora.
– Enquanto todos estavam demitindo, essas empresas, entre 2018 e 2019, estavam contratando e incluindo mais pessoas no mercado de trabalho, principalmente jovens, LGBTQ+ e grupos marginalizados – contou Gustavo Muller, da Catavento, que destacou a amplitude dos setores atendidos, de música e artesanato a jogos e publicidade. Os empreendimentos sociais não foram capazes, no entanto, de gerar oportunidades para mulheres negras, deixando-as à margem das conquistas do setor.
Também na contramão do horizonte sombrio do país, a perspectiva destes empreendedores para seu próprio futuro é otimista, com intenção de expansão e crescimento. O foco é a atração de novos clientes para aumentar o volume de negócios, seguido da busca de investimentos e do lançamento de novos produtos e serviços para impulsionar a expansão.
Em sintonia com as ambições de um mercado de trabalho com compromisso social e ambiental, estes empreendimentos dão grande atenção à inovação e ao cumprimento de vários Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), com destaque para a busca por igualdade de gênero (44%), educação de qualidade (43%), e redução das desigualdades (40%). São negócios que impactam concretamente suas comunidades, seja reafirmando identidades locais, por meio da oferta de produtos e serviços, ou abrindo espaço para a comunidade participar da empresa.
Os empreendimentos sociais e criativos têm uma maioria de mulheres em posições de liderança. O gênero no comando tem impacto na forma como os lucros gerados – uma realidade para apenas a metade dos negócios – são destinados, revela o mapeamento. Nos empreendimentos que têm homens à frente, a prioridade é distribuir os lucros; quando as mulheres estão no comando, há mais investimento em atividades sociais e/ou ambientais. Seja como for, estes empreendimentos se diferenciam do sistema tradicional ao focar menos na distribuição de dividendos aos acionistas.
Apesar do potencial de crescimento, os empreendedores esbarram na falta de financiamento sustentável e duradouro para manter o fôlego dos trabalhos. Para Dan Gregory, diretor internacional da Social Enterprise, do Reino Unido, a falta de entendimento sobre o que são estas iniciativas é o maior entrave para a ampliação de crédito:
– Precisamos fazer as pessoas entenderem do que se trata, pois, ao compreender, elas se apaixonam e apoiam.
Segundo Dan, o trabalho com diferentes empresas mundo afora, no intuito de compartilhar experiências e aprendizados para crescer, revelou a diversidade de políticas de incentivo existentes, de qualidades distintas. Em comum, a noção de que as desigualdades precisam ser combatidas e de que enfrentamos uma grande ameaça ambiental.
Martin Dowie, diretor do British Council no Brasil, reforça que o maior acesso a crédito é fundamental para permitir que estas ideias, que tanto geram benefício social, tenham continuidade. Por meio da DICE, o British Council tem incentivado o diálogo e apoio a iniciativas como a de Geórgia Nicolau, diretora do Instituto Procomum, um laboratório de inovação cidadã e criatividade para soluções para uma vida melhor. Com 17 projetos em andamento, o instituto de Santos quer dar nova cara à tecnologia, para que ela tenha propósito e ligação com as pessoas, em vez de estar cegamente direcionada ao lucro.
– A inovação é o que o Brasil tem de melhor. É preciso dar continuidade a estes projetos, com coragem e ao lado de pessoas boas – disse Geórgia.

O ESTÍMULO A EMPREENDIMENTOS FEMININOS
Após a exposição da pesquisa, o palco do auditório principal da Casa Firjan foi tomado pelas ideias inovadoras de mulheres apoiadas pelo projeto Impacta Mulher, uma incubadora que visa a capacitar mulheres empresárias com negócios de impacto social. A ação atende a comunidades e periferias do RJ, ajudando lideranças femininas a superar barreiras e vencer preconceitos de gênero, raça e classe social, entre outros.
Ivi Félix é uma dessas mulheres. Criadora do Mantiquira Mercado Local, revitalizou um galpão em Xerém que hoje abriga produtos de artesanato e agricultores locais, impactando a cadeia produtiva e os serviços da região:
– Quando retornei ao Rio e me vi com aquele galpão repleto de sucata, a saída foi criar soluções com o que eu tinha à mão. O dinheiro da venda da sucata foi responsável por 75% do custo da reforma do galpão, colocando em prática o conceito da sustentabilidade que está na raíz do nosso negócio. Me surpreendi muito positivamente com a diversidade de produtos que a região oferece – explica Ivi, que reforça a necessidade de se considerar os impactos sociais e ambientais: – O grande desafio que enfrentamos no início deste século é repensar as formas econômicas.
Em um ano, o Mantiquira recebeu mais de 60 mil expositores. As atividades foram interrompidas recentemente para que o galpão receba painéis solares. Como Ivi, Aline Vivas, Joana Darc, Ana Lúcia Santos, Renata Lara e Flávia Domingues exibiram a diversidade e o poder de inclusão de seus empreendimentos criativos e sociais. Em comum, a necessidade de ampliar esta rede de apoio e atrair novos meios de financiamento.
Para Domingos Leonelli, presidente do Instituto Pensar, a experiência dos empreendimentos femininos apresentados revela a necessidade de governos, através de políticas públicas, aumentarem a capacidade de crescimento desses negócios, para que possam ser replicados e avancem a uma economia de escala.
– Esse é um papel que apenas o Estado brasileiro pode fazer. É preciso articular essas iniciativas privadas ao nível popular com a economia tradicional – avalia Leonelli.