
A exemplo da Petrobras, a Embrapa também está ameaçada pelo governo de Jair Bolsonaro (PL). Além de um brutal corte de verbas para a pesquisa, está em curso um projeto chamado Transforma Embrapa que pretende transformá-la exclusivamente em uma prestadora de serviços para o agronegócio.
Em 49 anos de história, esse é a maior ameaça pela qual já passou a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, que já vive na obscuridade. Isso porque grande parte da população brasileira não sabe sobre as pesquisas envolvidas nos alimentos que chegam à mesa.
Leia também: STF acata pedido de socialista para investigar motociatas de Bolsonaro
Em entrevista ao Brasil de Fato, o pesquisador da Embrapa Clima Temperado, João Carlos Costa Gomes, de Pelotas (RS) fala sobre a importância da empresa pública e as ameaças que a assombram neste momento.
João Carlos tem 46 anos de atuação na linha de frente das pesquisas, é doutor em agroecologia e desenvolvimento sustentável e relata que a Embrapa possui hoje um patrimônio incalculável, que inclui um dos maiores bancos genéticos do mundo.
“Para se ter uma ideia, apenas aqui em Pelotas chegamos a ter mais de 600 variedades de abóboras, mais de 400 de pimenta, quase 500 de batata, 270 de cebola, quase 70 de milho varietal – não é milho híbrido – variedades crioulas melhoradas pelos agricultores ao longo da sua relação com a natureza, cerca de 800 de feijão. Imagina o valor desse banco genético”, avalia.
O banco genético é tão importante que já houve um caso em que a etnia Krahô foi até a Embrapa para resgatar a semente de um milho que utilizada e por alguma razão foi perdido.
“E a Embrapa devolveu essas sementes para os Krahô que conseguiram voltar a ter de novo aquela variedade de milho que fazia parte da sua cultura, de seu imaginário, de sua estratégia de relação com a natureza”, lembra o pesquisador.
Para João Carlos, a possibilidade de privatização da Embrapa, ou mesmo a transformação de sua natureza em uma mera prestadora de serviços a grandes empresas do agronegócio traz mais uma ameaça ao meio ambiente.
Leia também: Elias Vaz questiona aumento dos preços dos combustíveis
“Os exemplos que temos de biomas conservados sempre tiveram a participação direta dos atores sociais, da população que vive nesses ambientes. Não são os ribeirinhos que acabam com a pesca, não são os indígenas que degradam a Amazônia. Os processos de monocultivos e de intensificação tecnológica, às vezes em áreas impróprias, é que são os grandes causadores dos impactos ambientais”, ressalta.
Para o pesquisador, mais concreta que a ameaça de privatização da empresa, está a ameaça de privatização dos projetos. “Não precisa privatizar a empresa, pode privatizar os projetos. Se não tem grana mais para subsidiar um plano de apoio à reforma agrária, se não tiver política pública que trate dessas questões, o que vai sobrar? Vai sobrar a venda de projetos para quem possa pagar por eles”, lamenta.
Ele usa como exemplo a situação dos fertilizantes, em que o Brasil tem uma dependência de quase 90% do potássio que se usa na agricultura e por isso se tornou dependente de insumos importados.
“Se a gente não tem a matéria prima, a rota tecnológica e nem a logística qual seria o nosso papel? Então, tem muita coisa que a velha e boa agronomia já fez e que foi deixada de lado: pousio, rotação de cultura, quebra vento, controle biológico de pragas, cobertura verde que vai incorporar a matéria orgânica e sequestrar carbono no solo. Tem muitas alternativas que se praticaram no passado e das quais esse modelo de agricultura abdicou. Abriu mão delas para trabalhar num modelo que depende quase que 100% de insumos sobre os quais os agricultores ou os produtores rurais não tem controle.”
Transforma Embrapa e os “novos tempos”
João Carlos Costa Gomes adverte que o projeto Transforma Embrapa chega com um discurso de “adequação aos novos tempos”. Ou seja, um tempo em que o determinante já não é mais a tecnologia, mas o conhecimento e a informação. Um tempo em que é preciso aumentar a conexão com o mercado.
“Até causa estranheza o fato do Transforma Embrapa estar sendo patrocinado por algumas organizações (privadas) da agricultura brasileira. Que contrataram uma fundação para fazer uma consultoria e um estudo sobre uma transformação na Embrapa da qual a maioria dos empregados não tem conhecimento e não estão participando.”
De acordo com o pesquisador, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) contrataram uma fundação para realizar esse estudo.
“E com o discurso de que tem que enxugar, fazer economia, racionalizar recursos. Quando estamos, desde 2016 com recursos cada vez mais escassos. Não tem mais o que economizar. Não temos mais praticamente recursos para botar a máquina a operar”, lamenta.
O pesquisador ressalta que se não fossem esses dois anos de pandemia, quando boa parte dos empregados da Embrapa ficaram em teletrabalho, faltaria recursos até para renovação de frota, para consertar um pneu do carro para que ele possa andar.
*Confira a entrevista completa no site do Brasil de Fato