
Os dados de desmatamento e queimadas, monitorados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), estão na mira do Conselho da Amazônia, que criou uma estrutura no Ministério da Defesa para administrar informações sobre queimadas.
Enquanto isso, o Inpe passa por mudanças estruturais que, segundo duas cartas assinadas por pesquisadores da instituição, são “sérias e profundas, capazes de paralisação institucional e de inviabilizar o Inpe”.
Desde que Ricardo Galvão foi demitido, em agosto de 2019, o diretor interino, Darcton Damião, tem promovido mudanças na estrutura da gestão que contradizem o regimento interno do órgão, criando uma “estrutura paralela, que opera, governa e decide sobre o Inpe, mas que não existe na regulação administrativa”, segundo uma das cartas.
Exoneração
Ocorrida nesta segunda-feira (13), a exoneração da coordenadora de Observação da Terra, Lúbia Vinhas, é parte de um processo de fusão dessa unidade de gestão com outras duas áreas: o Centro de Ciência do Sistema Terrestre (CCST) e o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC).
O atual coordenador do CPTEC, Gilvan Sampaio, deve assumir oficialmente a coordenação geral após a fusão, mas já responde informalmente pelas três áreas, segundo informações do jornal Folha de S. Paulo.
“A nova estrutura já está no gabinete do ministro da Ciência, Tecnologia e Informação [MCTI], aguardando para ser aprovada”, diz o coordenador do programa de monitoramento da Amazônia e demais biomas do Inpe, Cláudio Almeida.
Mudanças no Inpe
No entanto, uma das carta dos pesquisadores afirma que essa seria só “a primeira fase de um projeto de transformação institucional”.
As duas cartas, divulgadas no último dia 7 de julho, são endereçadas a membros do comitê de busca do novo diretor do instituto. Elas alertam para o favorecimento da candidatura de Damião, atualmente o único com acesso a um novo regimento interno em aprovação no MCTI, e também defendem que a condição interina não deveria permitir alterações no regimento.
O Ministério da Ciência e Tecnologia informou que comentará o assunto nesta terça (14), em uma entrevista coletiva na qual explicará a “nova estrutura do Inpe”.
“Estrutura militar”
Outra preocupação dos pesquisadores é o caráter centralizador e controlador da nova estrutura. “Essa estrutura paralela de gestão incluiu a verticalização e unificação de comando aos moldes das estruturas militares, claramente na contramão das tendências atuais de pesquisas em redes colaborativas, com liberdade acadêmica e autonomia científica”, afirmam os signatários.
“As mudanças não vão prejudicar em nada a produção de dados de monitoramento de desmatamento e queimadas, que continua sendo feita da mesma forma e com a mesma equipe”, diz o coordenador Cláudio Almeida.
No entanto, uma decisão do Conselho da Amazônia transfere ao Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), órgão do Ministério da Defesa, a responsabilidade de gerir as informações sobre queimadas para embasar o trabalho do governo.
Íntegra da carta dos técnicos do Inpe:
Para nós, abaixo assinados, Pesquisadores e Tecnologistas seniores do INPE (ativos e aposentados-colaboradores), reside em V.S.ª uma oportunidade de evitar uma tragédia no campo das instituições públicas do estado brasileiro, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Em agosto próximo, quando o INPE completará 59 anos, talvez seja também o primeiro aniversário do início de seu fim como o conhecemos.
O INPE é uma instituição civil, do Estado brasileiro e não a serviço de governos. Que passou pelos turbulentos anos pré-golpe civil-militar de 1964, produziu com independência e autonomia científica durante todo o período da ditadura e chegou aos anos da redemocratização. Neste período, o INPE construiu espaços de transparência e maior participação de sua comunidade em órgãos colegiados e nas escolhas de seus dirigentes e gestores. A própria escolha do Diretor através de um Comitê de Busca (CB) foi um avanço deste período recente.
Em apenas 10 meses após sua nomeação como Diretor Interino do INPE, após a exoneração do Dr. Ricardo Galvão, o Coronel da Aeronáutica Darcton Policarpo Damião (na reserva), está prestes a concluir a primeira fase de um projeto de transformação institucional.
O Diretor interino que, comunicou que apresentará sua candidatura para o processo de seleção em curso, tem prosseguido, em virtual sigilo, com uma reestruturação da instituição sem qualquer critério, técnico ou de gestão, aceitável. Em uma decisão totalmente autoritária, sem se saber de onde veio, estabeleceu uma nova estrutura de gestão, que está sendo implantada via um novo Regimento Interno, o documento maior que estabelece as normas de funcionamento institucional. Mais grave, nos últimos dois meses vivemos uma situação peculiar e única na história do INPE. Existe uma estrutura administrativa oficial, a que está no regimento atual e válido, e uma estrutura paralela, que opera , governa e decide sobre o INPE, mas que não existe na regulação administrativa. É importante ressaltar que essa estrutura paralela de gestão incluiu a verticalização e unificação de comando aos moldes das estruturas militares, claramente na contramão das tendências atuais de pesquisas em redes colaborativas com liberdade acadêmica e autonomia científica.
Com isso, o diretor interino tem demandado dos servidores a apresentação de planos de trabalho para a instituição, e poderia, assim, utilizar esta estrutura paralela para promover a construção de seu plano de trabalho, documento que precisa ser apresentado ao Comitê de Busca. Isso lhe proporciona clara vantagem sobre os outros postulantes, uma vez que utiliza informações institucionais fundamentais relativas à reestruturação da gestão técnico-científica ora em curso, que só ele possui e às quais não foi dado o direito de acesso a outros candidatos.
É claro que esta situação coloca o Diretor interino com uma vantagem competitiva, mas em nossa perspectiva, no mínimo antiética, em relação a qualquer outra candidatura. Os outros candidatos NÃO tiveram acesso às propostas sendo urdidas em silêncio e, aparentemente, em acordo com o MCTI. Em um concurso com igualdade de condições, TODOS os candidatos deveriam estar alertados de que deveriam apresentar seus Planos de Trabalho com base no Regimento Interno vigente, já que este é o Regimento Interno oficial e válido. O Regimento sendo gestado, segundo o Diretor interino, com apoio do MCTI, em realidade é desconhecido da comunidade e, pasme, este Comitê de Busca, provavelmente, também desconhece.
Isto aponta para um favorecimento do MCTI à possível candidatura do Diretor interino considerando o fato de que qualquer outra candidatura não tem acesso e desconhece os arranjos sendo feitos entre a Direção interina e o Ministério para a transformação do Regimento interno e da atual Estrutura de Gestão, ficando estas candidaturas impossibilitadas de acomodar em seus Planos propostas que abordem o INPE a partir desta perspectiva.
Neste momento, seria fundamental com a ajuda de V.S.ª, que todos os membros do CB pudessem ser alertados desta situação e das dificuldades que ela cria para um processo de seleção sem vieses e sem questionamentos.
No limite, o Comitê de Busca terá que enfrentar o dilema entre desclassificar o atual Diretor interino, por eventualmente apresentar um plano de gestão completamente desalinhado ao INPE que hoje existe oficialmente, ou desclassificar os demais candidatos, por apresentarem planos em desacordo com a estrutura prestes a ser implantada.
Seria importante que QUALQUER alteração no Regimento interno em curso e, portanto, na estrutura de gestão atual só fosse conduzida APÓS a nomeação do novo Diretor efetivo da instituição pelo MCTI, a partir da escolha de um dos nomes da lista tríplice produzida por este Comitê de Busca, no qual depositamos plena confiança.
Também que fosse dado amplo acesso aos documentos secretos relativos a esta nova estrutura e Regimento para toda a comunidade, para o CB e para todos os postulantes homologados. Desta forma, poderemos ter um pouco de luz sobre propostas urdidas em segredo, que contemplam mudanças estruturais muito sérias e profundas, capazes de paralisação institucional e de inviabilizar o INPE no seu aniversário de 59 anos.
Atenciosamente,
Acioli Antonio de Olivo, Dr. – LABAC/COCTE
Antonio Miguel Vieira Monteiro, DPhil – DPI/CGOBT
Antonio Lopes Padilha, Dr. – DIDGE/CGCEA
Evlyn Márcia Leão de Moraes Novo, Dr. – DSR/CGOBT
Fernando Manuel Ramos, Docteur – LABAC/COCTE
Gino Genaro, Dr. DIDSE/ETE
Maria Isabel Sobral Escada, Dr. – DPI/CGOBT
Maria Virgínia Alves, Dra. – DIDGE/CGCEA
Nandamudi Lankalapalli Vijaykumar, Dr. – LABAC/COCTE
Ricardo Cartaxo Modesto de Souza, Eng. Senior – DPI/CGOBT
Ronaldo Arias, Dr. – DIDEA/ETE
Sergio Rosim, Dr. – DPI/CGOBT
Solon Venâncio de Carvalho, Docteur – LABAC/COCTE
Nota do MCTIC sobre e entrevista desta terça (14):
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) esclarece que a exoneração da Dra. Lubia Vinhas publicada no Diário Oficial da União é parte de sua realocação do cargo de Coordenadora-Geral da CGOBT para o cargo de Chefe da Divisão de Projeto Estratégico, a ser criado no âmbito da reestruturação do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que está sendo executada em sintonia com o MCTI.
A reestruturação que será apresentada em coletiva de imprensa realizada nesta terça-feira (14), tem o objetivo de buscar sinergias e otimizar os recursos humanos e de infraestrutura do Instituto para um funcionamento mais eficiente. A Dra. Lubia Vinhas tem participado desse processo e está de acordo com as mudanças, que eram previstas e não tem qualquer relação com a produção e a divulgação dos dados de desmatamento, que continuarão a seguir os mesmos procedimentos com qualidade e transparência.
Nesta terça-feira (14) será realizada uma coletiva de imprensa na sede do MCTI, em Brasília, para apresentar a nova estrutura do Inpe, com a participação do ministro do MCTI, astronauta Marcos Pontes, e o diretor do Inpe, Darcton Damião.
Com informações do G1 e Folha de S.Paulo.