
Na série especial #ElasQueLutam, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, celebrado no dia 8 de março, o Socialismo Criativo entrevistou a gestora pública Márcia Rollemberg, colaboradora indispensável do Partido Socialista Brasileiro (PSB) na construção de um país melhor e mais igualitário.
A ex-primeira-dama do Distrito Federal, Márcia iniciou sua trajetória política ainda muito jovem, como muitas mulheres nascidas em tempos tão marcantes da história da política brasileira. Teve como primeira bandeira a defesa da Amazônia, ainda na Universidade de Brasília (UnB). Depois disso, sua luta nunca arrefeceu. Ao contrário, ganhou corpo, experiência, conhecimento e muitos motivos para seguir em frente.
Com mais de 30 anos de experiência na gestão pública, Márcia atuou nos ministérios da Saúde e Cultura, onde participou do desenvolvimento de políticas públicas fundamentais para os brasileiros. Desde 2015 segue atuando na Fundação João Mangabeira (FJM), braço intelectual do PSB. Lá, ela desenvolve em equipe diversos cursos, publicações e planejamentos para as diversas representações e instâncias partidárias. Essa função veio junto com o trabalho voluntário que realizou como colaboradora durante a gestão de Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), seu companheiro de vida e ex-governador do Distrito Federal.
Na entrevista abaixo ao Socialismo Criativo, Márcia fala sobre estas e outras ações que realizou em sua missão de construir um país mais plural e participativo, além dos trechos em que destaca pontos na Autorreforma desenvolvida pelo partido.
Socialismo Criativo – Como começou a sua jornada na política?
Márcia Rollemberg – Minha vida política começou ainda no Ensino Médio, quando percebi a força do coletivo dos alunos e alunas, que em função do calor, protestaram em frente à sala da Direção do colégio, se recusando a continuar na sala sem que a direção consertasse os ventiladores. Aquela vivência se viu fortalecida quando ingressei na UnB e no Movimento de Defesa da Amazônia MDA, em 1978.
Minha formação como assistente social, à época, trazia conhecimentos da sociologia, economia, história, antropologia, direito, psicologia, e fiz umas optativas em artes. Tudo isso em um uma formação plural, vivida durante o processo de luta pela redemocratização e ao mesmo tempo lendo Gramsci, Althusser, Vygotsky, Paulo Freire, dentre outros.
Minha militância partidária ficou mais fortemente fertilizada na trajetória de mais de 30 anos do meu parceiro de vida, Rodrigo Rollemberg, no Partido Socialista Brasileiro (PSB). Ao seu lado na ativa militância, vivenciei a refundação partidária, sua atuação na Juventude Socialista, até ir gradativamente este preceito ir se tornando um dos principais quadros políticos do partido no Parlamento e no Executivo.
Concomitantemente, segui atuando na área federal. Fui militante do “Partido da reforma Sanitária”, defensora do SUS [Sistema Único de Saúde] e dos direitos dos usuários. Na área de Patrimônio Cultural, ampliei os horizontes sobre os ativos nacionais e sobre o Ministério da Cultura (MinC), lutei pelo Brasil diverso, de raiz, com a rede nacional dos pontos de cultura. Sempre trabalhei com muita paixão por meu país. Me vejo como “missionária pública”.
Digo sempre que meu Partido é a cidadania. Quero atuar como uma servidora pública, uma “intelectual orgânica”, contribuir efetivamente para os avanços nas políticas de estado, superando as práticas meramente governistas, buscando implementar ações mais estruturais e menos eventuais. Nessa caminhada, vi a árdua construção da área pública e também a fácil desconstrução, por isso sempre considerei a participação social como uma vertente da prática política.
Cito sempre um princípio dos movimentos sociais pela inclusão e acessibilidade “Nada sobre nós, sem nós”. Minha prática política, de cidadã, de gestora pública, tem como premissa que a verdadeira participação social deve compreender o usufruto dos benefícios do progresso.
Socialismo criativo: Na sua atuação partidária, qual momento lhe é mais memorável?
Márcia Rollemberg: Alguns momentos, pessoalmente, foram muito marcantes. Devo mencionar, aqui, a gestão do ministro Jamil Haddad, que me deu a oportunidade de ingressar no Ministério da Saúde em 1993, onde permaneci por 16 anos. Tive a oportunidade de contribuir para a construção da política pública de saúde e quando falo de ações estruturantes, tenho a honra de ter visto nascer, junto com o PSB, a Política dos Medicamentos Genéricos, e a ousadia em extinguir o Inamps [Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social] e avançar institucionalmente no Sistema Único de Saúde (SUS).
Posso mencionar também a passagem dos ministros Eduardo Campos e Sérgio Rezende no Ministério da Ciência e Tecnologia. Participei, pela saúde, da primeira Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, e outras que se sucederam e existem até hoje. Essa área é forte na história do partido, com exemplos históricos desde as ações de Miguel Arraes nos governos de Pernambuco, as quais pude melhor conhecer, ao pesquisar e realizar seu Centenário de vida.
Mas especificamente no campo das disputas partidárias, foi inesquecível a eleição do Lula e a grande mobilização da Frente Brasil Popular, a vitória da esquerda unida em torno de um novo projeto de país. A posse e a alegria das pessoas na Praça do Três Poderes. O sonho e a esperança há muito não vivenciados.
Em 2004, Rodrigo estava Secretário C&T para Inclusão Social e realizou importantes ações de inclusão digital, e eu, no MS, trabalhava com a Biblioteca Virtual em Saúde para a democratização do acesso à informação em saúde. Enfim, nessa caminhada poderia citar outros momentos de sinergia e convergência de iniciativas.
Mesmo dando descontos ao ineditismo de estarmos pela primeira vez no poder, na realidade, as contradições logo foram surgindo no cotidiano da gestão de esquerda no Ministério da Saúde, onde já tinha atuado nos governos de Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique. Estar no poder exige muita coerência, que por sobrevivência mais imediata nem sempre é mantida por todos.
Lembro muito fortemente da liderança de Eduardo Campos, do vigor de suas palavras, da expressão de força que o PSB vislumbrava como alternativa de poder. Com sua morte, o vazio, a lacuna que se desenhou. A tristeza do segundo turno com o apoio ao Aécio Neves, me vi em um caminho diferente.
Enfim, a vida partidária é como a vida de maneira geral, é complexa, e assim não é desprovida de momentos de decepção, muito válidos, se transformados em aprendizagem e fortalecimento da identidade própria.
Socialismo Criativo: Já passou por alguma situação de sexismo/machismo nas atividades partidárias? (Não é necessário citar nomes, nem nenhum detalhe que possa lhe gerar qualquer constrangimento ou identificar pessoas.)
Márcia Rollemberg: Sim, já passei e vejo na ampla maioria dos partidos a necessidade de superação dessas práticas retrógradas e que revelam, no dia a dia, reais desafios, os quais podem ser percebidos na composição dos diretórios, na estrutura da máquina partidária, na composição das mesas nos congressos e eventos, na aplicação de recursos etc.
Nesse sentido, já sugeri ao Fórum de Secretarias de Mulheres dos Partidos que efetivássemos uma metodologia de avaliação no campo do gênero no universo dos Partidos, criando um saudável ranking comparativo, trazendo, com esse monitoramento, evidências sobre onde, de fato, se está e onde se quer chegar.
Socialismo Criativo: Você tem uma longa trajetória na Fundação João Mangabeira. Como foram seus primeiros contatos com a fundação e como começou a atuar lá?
Márcia Rollemberg: Iniciei minha atuação na FJM em fevereiro de 2015, o que foi uma significativa mudança profissional após 30 anos de atuação na esfera federal. Com a saída do Ministro Jamil, ainda em 1993, segui no Ministério da Saúde e lá construí uma trajetória própria. Precisava garantir essa independência na minha vida profissional, e assim acabei por não me filiar formalmente ao PSB.
Não queria ser vista como indicação política e lutei muito para conquistar meu espaço no serviço público. Mesmo com o rompimento do PSB com o Governo Dilma, segui atuando como Secretaria Nacional no MinC por mais dois anos. Só saí no novo mandato da presidenta, em janeiro de 2015.
E foi quando tive a oportunidade de, com Renato Casagrande, utilizar essa experiência obtida na esfera federal, junto ao PSB, na Fundação João Mangabeira.
Desde então, já se vão seis anos, o tempo voa… Até 2018, me dividi entre a agenda da FJM e a agenda de colaboradora do Governo do PSB. Me orgulho muito dos resultados conquistados nas duas frentes. Na FJM, pude trabalhar com o planejamento, a gestão de equipe, os cursos formação, edição de publicações, trazer a abordagem mais cultural com as exposições, em especial a do Centenário de Miguel Arraes, com a memória do PSB nos estados. Pude contribuir no planejamento, na relação da FJM com os parlamentares, os segmentos do PSB, as coordenações nos estados e outras parceiras, da contribuição para a inserção da temática da economia criativa, da sustentabilidade com os objetivos de desenvolvimento sustentáveis.
Socialismo Criativo: Sem sombra de dúvidas sua participação como colaboradora na gestão de Rodrigo Rollemberg como governador de Brasília foi uma das mais atuantes da história da cidade. Quais projeto destaca entre os diretamente tocados por você e os globais?
Márcia Rollemberg: Como colaboradora do GDF, criamos o Programa Brasília Cidadã, que teve no Portal do Voluntariado um dos grandes resultados. Abrimos a Residência Oficial e mais de 50 Embaixadas para estudantes das escolas públicas.
Articulamos a política da infância no Criança Candanga e construímos o novo Hospital da Criança e o Centro 18 de Maio para as crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. Como um Governo PSB, deixamos o DF com a Orla livre, o lixão fechado, a inclusão dos catadores, obras para abastecimento de água, muitas conquistas importantes para além das contas públicas arrumadas e pagamento de grande parte das dívidas herdadas, com responsabilidade fiscal.
Socialismo Criativo: Qual sua avaliação do desenvolvimento da FJM nos últimos anos? Quais ações considera de maior destaque para essa evolução?
Márcia Rollemberg: A Fundação João Mangabeira é uma instituição criada para ser uma base da prática partidária. Um mecanismo que contribua para qualificar as propostas políticas para o país, promova a formação de quadros, o intercâmbio e a cooperação de saberes. A Fundação é um espaço de debates, estudos e de formação política. Uma instituição criada para ser um espaço formulador de políticas, de contribuição do PSB ao campo da pesquisa, do intercâmbio e da cooperação com a política pública.
Tenho a oportunidade de, a partir da experiência na gestão pública adquirida em 30 anos, atuar em iniciativas que contribuam para o avanço político do país por meio da atuação parlamentar e dos governos do PSB. Para mim, o Programa de Formação da Negritude Socialista Brasileira tem sido um dos trabalhos mais consequentes do qual participo e nesse momento me sinto mobilizada com a pauta da pessoa com deficiência, segmento que luta para inserir suas bandeiras e empreender uma verdadeira mudança de consciência e atitude no âmbito do Partido.
Destaco, também, a linha de mapeamento das gestões PSB e ressalto que precisamos evoluir nesse campo, ter a capacidade de fomento, de monitoramento, de contribuir efetivamente para o aperfeiçoamento do serviço público e do impulsionamento do desenvolvimento de cada local, cada cidade, de nosso país.
Socialismo Criativo: Como espaço de debate, pesquisa e fomento da formação política, como acha que a FJM pode auxiliar na luta das mulheres por mais igualdade na política?
Márcia Rollemberg: Contribuindo para efetiva formação política das mulheres no PSB e em os seus os segmentos, com ações de pesquisa, monitoramento e avaliação, mas principalmente no fomento de políticas públicas e programas nos governos socialistas que tenham uma visão mais integrada e multidisciplinar. Promovendo estudos que subsidiem a elaboração de cursos, a sistematização de evidências para apresentação de projetos de lei, a construção de narrativas e as estratégias de advocacy das bandeiras de luta, dentre outras.
Socialismo Criativo: Neste momento, em que o PSB desenvolve uma Autorreforma que trata não só da estrutura partidária, mas, também, do que defende e como pensa o partido socialista, quais temas lhe chamam mais a atenção? Quais lhe são mais preocupantes?
Márcia Rollemberg: O processo de Autorreforma revigora princípios do PSB e atualiza seu escopo programático, sendo uma ação relevante diante do atual quadro de descrédito da população sobre os políticos e os partidos. Evoluir na política requer revisitar as possibilidades de forma, de estrutura, dos meios, das linguagens, significa confirmar, na prática, ser um partido com democracia, transparência, formação, renovação e diversidade de quadros.
Em um momento de reorganização das forças políticas, do avanço dos neoliberais, do conservadorismo com uma sombra autoritária e violenta, há um forte embotamento social, com a negação da ciência, os questionamentos sobre direitos humanos, a precarização da gestão pública. Assim, aprofundar as raízes e ter clareza de qual é nossa identidade, ter coerência entre o que se fala e o que se faz, criar mecanismos de comunicação horizontal, interagir com a sociedade, ouvir as comunidades, conhecer seus problemas de perto.
Os partidos vivem uma crise existencial e não dá para existir no mesmo formato. É preciso ter uma comunicação política e ser um catalizador da cidadania, da ação cooperativa, do empreendedorismo criativo, social e inclusivo. Penso na responsabilidade social dos Partidos. Nesse sentido, a Autorreforma é muito bem-vinda, como um exercício de renovação, de ter firmes posições e propostas. o cenário da Pandemia, essa atual tragédia que apresenta novas dimensões para a crise, aprofunda os desafios e aumenta a demanda por atitudes concretas.
É muito importante ampliar os horizontes da educação e cultura, da dimensão humana e, nesse sentido, a autorreforma pode ter mais enfoque na pauta da política pública da infância, adolescência e juventude, como base para a igualdade socioeconômica.
Com a inserção de metodologias e conteúdos inovadores para a formação de uma nova geração, com acesso à tecnologia e ao conhecimento, onde haja a educação das emoções e/ou das relações, a cultura de paz, do meio ambiente e do consumo consciente. Por outro lado, a Lei Cultura Viva, que lutamos para aprovar, é uma conquista muito relevante para qualquer projeto de desenvolvimento de país, a primeira política pública nacional de cultura de base comunitária e plural.
No capítulo da Amazônia 4.0 também pode estar mais forte a proposição de uma relação de sinergia para o desenvolvimento do país e da Amazônia com o envolvimento dos interessados – as nações indígenas, os povos e as comunidades tradicionais e a articulação com a sociedade civil, as iniciativas pública e privada, incluindo os pequenos, os micros produtores, os extrativistas e outros atores.
Temos que aprofundar a exposição dos principais desafios e mudanças no campo do trabalho. Temos de estar antenados com a juventude, os temas históricos e as tendências da atualidade, contribuir para a emancipação e autonomia da mulher já, ter capacidade de escuta para as reais demandas e soluções da sociedade, com a adoção de instrumentos de transparência e democracia direta no âmbito do próprio PSB. Vamos adiante, ao lado dos que lutam por um Brasil com democracia e justiça social, não estamos sozinhas, precisamos nos conectar.