
O Banco Central se desfez, até o mês passado, de US$ 68,273 bilhões com a venda direta de dólares das reservas internacionais brasileiras ao mercado financeiro, uma política do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) iniciada em agosto de 2019. Isso não ocorria havia 10 anos. Os recursos foram absorvidos pelo mercado, mas a maior disponibilidade de moeda estadunidense não impediu a disparada. Cotado em R$ 3,87 no fim de 2018, o dólar subiu 45% até o fechamento de março de 2021, em R$ 5,62.
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Acelerar o ajuste fiscal para reduzir a dívida pública
Em outubro de 2018, dois meses antes de assumir o Ministério da Economia, Paulo Guedes afirmou que, se houvesse “crise especulativa” e o dólar subisse para o patamar de R$ 4,50 a R$ 5, o governo Bolsonaro venderia US$ 100 bilhões para “acelerar o ajuste fiscal”, ou seja, reduzir a dívida pública.
Questionado pelo G1 se avalia que o Brasil enfrentou crises especulativas com a moeda estadunidense no governo Bolsonaro, o Banco Central não respondeu. Sobre a política cambial, a instituição informou que as decisões “são de competência exclusiva da Diretoria Colegiada do Banco Central do Brasil”.
O Banco Central informou ainda que, no regime de câmbio flutuante, adotado pelo governo brasileiro, não há metas para o dólar e que, portanto, a atuação ocorre “caso se identifiquem condições adversas para o seu regular funcionamento”. Deste modo, não tem relação com a política fiscal, ou seja, com a redução da dívida pública.
PSB defende compromisso com o desenvolvimento
O Partido Socialista Brasileiro (PSB), em sua Autorreforma discorda da polícia econômica defendida pelo governo Bolsonaro. Para os socialistas, é fundamental que o Conselho Monetário Nacional (CMN) e o Banco Central incorporem em suas decisões, posições e atitudes estratégicas em benefício do desenvolvimento nacional, em que o compromisso com o fortalecimento e o desenvolvimento da Nação deve presidir e subordinar todas as decisões.
“Para mudar o quadro da extrema subordinação da economia ao capital financeiro, o PSB defende a adoção de políticas macroeconômicas desenvolvimentistas em benefício da produção, do trabalho e dos interesses nacionais.”
Tese 140 da Autorreforma do PSB
Para mudar este quadro, o PSB também defende a necessidade de subordinar as regras da gestão fiscal – composta pelo câmbio flutuante, meta de inflação, meta fiscal, regra de ouro e regra do teto – à proteção do emprego e da renda, da soberania nacional, dos investimentos públicos, como estratégia de desenvolvimento nacional e da redução das desigualdades sociais.
Dólar alto dificulta controle da inflação
O dólar alto dificulta as viagens de brasileiros ao exterior, assim como a compra de ativos fora do Brasil. Também torna mais difícil o controle da inflação, pois os insumos e produtos importados ficam mais caros, ao mesmo tempo em que favorece as vendas externas (que se tornam mais rentáveis aos exportadores).
O deputado federal Elias Vaz (PSB-GO) comentou sobre os impactos do dia a dia das pessoas com a alta do dólar. Ele comentou que Bolsonaro é um fracasso também na economia. “O resultado é que o seu dinheiro vale cada vez menos. A pandemia não é desculpa porque afetou o mundo inteiro”, escreveu o socialista nas redes sociais.
Mudanças na política macroeconômica
Nos últimos meses, Paulo Guedes tem citado uma mudança do “mix” da política macroeconômica como a principal causa para a alta do dólar no governo Bolsonaro. No cenário atual, com juros em 2,75% ao ano e a tentativa de conter gastos a taxa de câmbio é mais alta, explicou o ministro recentemente. A lógica é que menos recursos entram na economia para aplicações financeiras no Brasil, por conta do rendimento menor das aplicações em renda fixa, influenciando a taxa de câmbio.
“Nós apertamos o [cenário] fiscal. A taxa câmbio de equilíbrio está mais alta. Não é R$ 1,80, como no passado. Nós costumávamos ter taxa de juros de dois dígitos, e câmbio de R$ 1,80 a R$ 2,20”, firmou Guedes durante uma videoconferência na semana passada.
Em 2020, o ministro da Economia disse que o câmbio a R$ 1,80, no passado, permitia a doméstica ir à Disney e que a alta da moeda faria “todo mundo conhecer o Brasil”. Porém, Guedes avaliou que as tensões no mercado, fruto do coronavírus, têm puxado o dólar para cima. Para ele, provavelmente, a taxa de câmbio de “equilíbrio”, ou seja, que reflete os fundamentos atuais da economia brasileira, estaria ao redor de R$ 4,50.
“Houve um ‘overshooting’ [forte alta], mas estamos andando com as reformas fundamentais. Assim que o Brasil retomar o crescimento, avançar na vacinação em massa, e em três, quatro meses, provavelmente a taxa de câmbio vai cair. Eu não posso prometer nada, exceto trabalho duro”, disse ele na última semana.
Risco fiscal pressiona alta do dólar
Para economistas do mercado financeiro e para o Banco Central, entretanto, há outro fator pressionando o dólar nos últimos meses: o risco fiscal, incertezas sobre a contenção de gastos públicos e, consequentemente, sobre o controle da dívida pública — que bateu recorde recentemente ao atingir 90% do PIB (acima da média de 60% do PIB das nações emergentes).
Além de apontar o “risco fiscal” nos documentos oficiais do BC nos últimos meses, o presidente da instituição, Roberto Campos Neto, também admitiu, recentemente, que esse fator também tem impulsionado o dólar no Brasil.
“Um fiscal pior começa a ter mais desvalorização, mas vem junto com movimento de alta das ‘commodities’. É uma das primeiras vezes que a gente tem commodities subindo com câmbio não apreciado, e o caso do Brasil é mais extremo porque depreciou. Isso significa que tem um peso fiscal que está contrabalançando o peso de ser exportador de commodities.”
Roberto Campos Neto
Na terça-feira (6), o presidente do Banco Central reconheceu que a aprovação do Orçamento 2021, com corte de gastos obrigatórios e aumento de emendas parlamentares, criou uma incerteza no mercado financeiro.
Patamar das reservas internacionais
As reservas internacionais são os dólares acumulados pelo governo, uma espécie de poupança. Por isso, o volume de dinheiro é um importante indicador para o país. A vantagem de ter dólares em caixa é que isso dá garantias contra eventuais crises no mercado internacional.
Números do Banco Central mostram que a venda de US$ 68,273 bilhões em reservas internacionais desde o início do governo Bolsonaro não baixou seu patamar em igual proporção. No fim de 2018, as reservas estavam em U$ 374,715 bilhões, pelo conceito de caixa, passando para R$ 347,413 bilhões em 31 de março de 2021 — queda de US$ 27,3 bilhões.
A explicação é de que as reservas cambiais tiveram rentabilidade nos últimos anos, de 4,3% em 2019 e de 5,57% em 2020, o que compensou parte das vendas de divisas realizadas pelo BC. Segundo a instituição, as reservas são investidas principalmente em títulos de outros países bem avaliados por agências de classificação de risco. Com a pandemia do coronavírus, esses papeis se valorizaram, aumentando o rendimento das reservas brasileiras.
Sem a venda das reservas internacionais nos últimos anos, a dívida bruta estaria acima do patamar recorde de 90% do PIB registrado em fevereiro deste ano.
Com informações da Folha de S.Paulo e do G1