
Enquanto o desaparecimento do jornalista inglês Dom Phillips e do indigenista brasileiro Bruno Pereira tem mobilizado organizações nacionais e internacionais e a sociedade civil, o presidente Jair Bolsonaro (PL) banaliza o caso e responsabiliza as próprias vítimas.
Os dois estão desaparecidos há três dias e o governo federal chegou a divulgar uma nota sobre o caso, mas Bolsonaro afirmou que os dois estavam em uma “aventura não-recomendável”.
Mais uma manobra de Bolsonaro para se livrar da responsabilidade sobre o caso em um Brasil em que os povos indígenas, ambientalistas e as comunidades ribeirinhas nunca foram tão atacados.
Leia também: Jornalista inglês e indigenista continuam desaparecidos no Vale do Javari
Nos três anos de governo Bolsonaro, o Brasil alcançou a posição de quarto lugar no ranking de países mais perigosos para ambientalistas, com 20 assassinatos de ativistas ligados à causa ambiental só em 2020.
O dado é do relatório “A última linha de defesa”, da ONG Global Witness e mostra que o país fica atrás apenas da Colômbia, México e Filipinas.
Em outro relatório recente intitulado “Violência contra os Povos Indígenas no Brasil”, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), revela que os assassinatos em terras indígenas aumentou 61%, com 182 casos registrados em 2020. E os conflitos territoriais aumentaram 174% com 96 casos no mesmo ano.
Enquanto o país agoniza, Bolsonaro e a bancada ruralista no Congresso forçam para afrouxar as normas ambientais, retaliar servidores de órgãos como o Ibama e a própria Funai, da qual Bruno Pereira é servidor licenciado.
Leia também: Socialistas se manifestam sobre jornalista e indigenista desaparecidos na Amazônia
Além de paralisar os processos de multas, estrangular o orçamento das agências ambientais e incentivar a grilagem de Terras Indígenas, a proliferação de garimpos e a extração ilegal de madeira.
Enquanto isso, diversos projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional aumentam a ameaça à vida e a integridade de povos indígenas no Brasil.
É o caso do PL 191/2020, que pretende liberar a mineração e outras formas de exploração econômica em terras indígenas e do PL 490/2007 que defende, de maneira inconstitucional, o Marco Temporal.
Bolsonaro estimula garimpeiros ilegais
Em meio a todos os ataques, a postura do presidente Jair Bolsonaro (PL) perante os povos indígenas do Brasil representa uma das mais graves ameaças existentes. Desde seu primeiro mandato como deputado federal, ele atua para impedir a demarcação de terras indígenas.
O ex-capitão já chegou à Presidência determinado a tirar a terra dos povos originários e entregá-las ao agronegócio.
Publicamente, Jair incentiva a invasão de Terras Indígenas por garimpeiros e, por consequência, é responsável direto pelo aumento da violência no campo, mortes nesses territórios, além das doenças e mortes provocadas pela desnutrição, contaminação por mercúrio e até abusos sexuais de mulheres e crianças indígenas.
Leia também: Lula: “Não haverá garimpo em terra indígena nesse país”
Em 2021 reforçou sua defesa pública da atividade garimpeira. “Não é justo, hoje, querer criminalizar o garimpeiro no Brasil” e emendou “Não é porque meu pai garimpou por um tempo. Nada a ver”. Antes, em 2020, disse que o território Yanomami não deveria existir.
“A reserva Yanomami. Tem mais ou menos 10 mil índios. O tamanho é duas vezes o Estado do Rio de Janeiro. Justifica isso? Lá é uma das terras com o subsolo mais rico do mundo. Ninguém vai demarcar terra com subsolo pobre. Agora o que o mundo vê na Amazônia, floresta? Está de olho no que está debaixo da terra”, disse.
Em fevereiro de 2022, Bolsonaro assinou um decreto para instituir o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala (Pró-Mapa).
O objetivo, de acordo com o texto, é o de “estimular o desenvolvimento da mineração artesanal” para “alcançar o desenvolvimento sustentável regional e nacional”.
Na prática, o objetivo era o de incentivar o garimpo ilegal e tentar legalizar uma atividade que não pode ser feita de forma sustentável.
Munição de uso restrito, armas e desafios às normas
Nesta quarta-feira (08), a Polícia Militar do Amazonas prendeu Amarildo da Costa Oliveira, o “Pelado”, como suspeito do envolvimento no desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips.
Ele nega participação no desaparecimento dos dois homens, mas foi preso por porte de munição de uso restrito, além de chumbinhos e entorpecentes. Em sua casa a polícia encontrou um cartucho 16 deflagrado e munição intacta calibre 762, de uso restrito das Forças Armadas.
Leia também: Pré-candidato do PL, partido de Bolsonaro, é investigado pela PF por garimpos ilegais
De acordo com o delegado titular da 50ª Delegacia Interativa de Polícia (DIP), Alex Perez, ele afirma que apenas viu a embarcação de Bruno e Dom passando em frente a sua comunidade.
Amarildo é apontado por moradores locais como o pescador que ironizou o fato de Bruno Pereira andar armado pelo Vale do Javari, onde trabalhava como consultor voluntário aos indígenas. “Quero ver se ele atira bem”, teria dito.
Ao UOL, o coordenador-geral da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), Paulo Barbosa da Silva, disse que testemunhas relacionam Amarildo ao desaparecimento.
“Os próprios moradores estão falando para a gente que foi o “Pelado” [apelido de Amarildo]. Não foi só uma pessoa que organizou [a ação envolvendo o desaparecimento]. Estão envolvidas várias pessoas de várias comunidades”.
Ele relaciona o caso também com o assassinato de Maxciel Pereira dos Santos, colaborador da Funai, morto em 2019 em Tabatinga (AM).
Além de Pelado, outros dois suspeitos foram detidos. Um deles conhecido como “Churrasco” e outro identificado como Jâneo. Segundo organizações indígenas locais, os dois últimos também foram conduzidos à delegacia de Atalaia do Norte e liberados em seguida.
A relação entre o garimpo ilegal e as armas, tão incentivada por Bolsonaro, produziu por exemplo o chamado garimpeiro youtuber, Fábio Júnior Rodrigues Faria, que publica o cotidiano de perseguições e enfrentamento armado da fiscalização.
Nos vídeos os garimpeiros aparecem zombando da fiscalização e mostrando o cotidiano ilegal do garimpo. Sem esconder o rosto, eles discursam em defesa do garimpo e criticam a fiscalização, muitas vezes endossando posições de Bolsonaro sobre o tema.
Terceiro dia de buscas tem participação tímida do governo federal

Teve início nesta quarta-feira (08) o terceiro dia de buscas pelo indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips. Os protagonistas das ações tem sido os povos indígenas, que atuam em uma varredura pelos rios Javari, itaquaí e Ituí. Participam também a Funai, Polícia Federal, Exército e Marinha.
Mesmo com três suspeitos detidos, os recursos empregados pelo Governo Federal na buscam demonstram a falta de interesse em encontrar os dois, que estão desaparecidos desde domingo (05). Eles desapareceram na Terra Indígena Vale do Javari, no extremo Oeste do Amazonas.
De acordo com a Marinha, um helicóptero está sendo usado na operação, além de uma moto aquática. Porém, de acordo com nota divulgada nesta terça-feira (07) pela Univaja as autoridades federais se negam a planejar a busca em cooperação com os indígenas.
A nota critica também a falta de infraestrutura e empenho nas buscas por parte do Governo Federal e afirma que em encontro convocado pela entidade para planejar as buscas estiveram presentes apenas seis policiais militares do Amazonas.
Também na terça, em nota, a Funai afirmou ter ampliado as buscas, mas admitiu que a operação conta apenas com 15 servidores e quatro embarcações. As terras indígenas do Vale do Javari tem 8,5 milhões de hectares e é o segundo maior território indígena do Brasil.
A Polícia Federal divulgou nota afirmando ter 11 agentes deslocados para a missão e uma aeronave. Na noite de segunda-feira (06), o Ministério da Justiça afirmou que as operações ocorrem por meio aéreo, marítimo e terrestre.
Na terça pela manhã, o ministro da Justiça, Anderson Torres, fez uma publicação no Twitter com a foto de cinco agentes em uma embarcação de pequeno porte.
O Exército publicou nota em que afirmavam aguardar o comando do “alto escalão” para atuar no caso. Na foto divulgada também na terça aparecem cerca de 50 agentes.
Vigília reúne servidores da Funai e sociedade civil em Brasília

Na noite desta terça-feira (07) entidades da sociedade civil e servidores da Funais fizeram um ato-vigília, em frente à sede da entidade para cobrar do governo federal ações efetivas sobre o desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips.
Bruno Pereira foi coordenador da Funai em Atalaia do Norte e após ser exonerado do cargo havia pedido licença não remunerada.
Foi quando passou a atuar junto a indígenas do Vale do Javari como colaborador da Univaja, entidade mantida pelos próprios indígenas.
Ele vinha recebendo ameaças constantes. O Globo chegou a divulgar uma carta enviada à Univaja em que uma pessoa fala sobre a insatisfação com a fiscalização. “Só vou avisar dessa vez, que se continuar desse jeito, vai ser pior para vocês. Melhor se aprontarem. Tá avisado”, diz trecho do documento.