
No sexto debate sobre a criação de uma lei para punir a disseminação de notícias falsas na internet promovido pela Câmara dos Deputados nesta última sexta-feira (24), especialistas criticaram o artigo 7º do projeto do Senado (PL 2630/20), que permite às redes sociais e aos serviços de mensagem requisitarem documento de identidade do usuário no caso de indícios de uso de robôs não identificados ou de contas inautênticas.
Bruna Santos, da organização da sociedade civil Coding Rights, foi uma das debatedoras a pedir que a Câmara dos Deputados remova o artigo do texto aprovado pelos senadores.
Ela defende que a identificação do usuário seja feita apenas mediante ordem judicial, como ocorre hoje. Bruna teme que o dispositivo seja utilizado para identificar ativistas de direitos humanos e grupos vulneráveis que precisam usar pseudônimos para garantir a sua liberdade de expressão.
“Há ferramentas relevantes para a democracia que podem precisar ser anônimas”, ponderou. Como exemplo ela citou o Sleeping giants – coletivo de ciberativistas que combate discursos de ódio e notícias falsas, persuadindo empresas a removerem suas propagandas dos meios de comunicação que publicam desinformação.
Para ela, criar mais mecanismos de identificação do usuário nas redes – além dos previstos na lei hoje – é equivocado, permitindo a instalação de sistema vigilantista no Brasil. Na visão dela, falta vontade política, e não legislação, para combater as redes organizadas de fake news existentes hoje.
Sistema de identificação
Advogado especialista em proteção de dados pessoais, Marcel Leonardi disse que a possibilidade de identificação de criminosos “já existe e funciona”. O Marco Civil da Internet prevê que provedores de aplicações na internet guardem por seis meses os dados de acesso do usuários (endereço IP, data e hora da conexão).
“Esses dados podem ser cruzados com os dados guardados pelas operadoras de telecomunicações”, apontou. Essas operadoras, responsáveis pela conexão à internet, devem guardar os registros de conexão por um ano. Hoje o acesso a esses dados pelos investigadores de crimes é feito por via judicial.
O procurador da República George Lodder, do grupo de apoio ao combate aos crimes cibernéticos do Ministério Público Federal (MP), concorda que os meios para investigação já estão previstos no Marco Civil da Internet.
A posição do MP é de que a identificação das contas por meio da apresentação de documentos é desnecessária e fere a proteção constitucional de direitos individuais.
Porém, o procurador salienta que “o Marco Civil foi direcionado para ações de cunho civil” não foi elaborado para resolver questões penais. Por isso, o Ministério Público sugere a inclusão na legislação de novos tipos penais para punir a disseminação de fake news. E recomenda ainda que as plataformas sejam obrigadas a comunicar o MP quando encontrarem indícios de crimes, como violação a direitos de crianças e adolescentes e racismo.
Grupos organizados nas redes
“Se já temos todos os elementos para coibir os crimes, por que não conseguimos avançar nessas investigações?”, perguntou a deputada Lídice da Mata (PSB-BA), relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News.
“Quero combater a ideia romântica de que temos meia dúzia de pessoas cometendo crimes nas redes.” Segundo ela, não são “meia dúzia de pessoas”, mas grupos que, de maneira organizada e com má fé, se utilizam de tecnologias da informação para disseminar notícias falsas.
“Como poderemos coibir a prática desse crime e rapidamente chegar à identificação de quem o pratica?”, questionou. Conforme ela, uma das possibilidades discutidas pelos deputados é incluir na lei novos crimes de fake news.
Visão do Twitter
O gerente de políticas públicas do Twitter no Brasil, Fernando Gallo, afirmou que a previsão de coleta de documento de identidade do usuário é “algo que não existe em nenhum lugar do mundo” e fere a privacidade e a proteção de dados. “[Pelo PL], uma simples denúncia obriga a coleta desse dado, o que nos parece desproporcional”, opinou.
Ele acrescentou que a medida prevista no PL das Fake News pode trazer impacto econômico e vai contra a Lei Geral de Proteção de Dados, que fixa o princípio da coleta mínima de dados necessários para determinado fim.
Entre outros pontos, ele criticou também o artigo 8º do projeto, que prevê que serviços de mensagem privada que ofertem serviços vinculados exclusivamente a números de celulares suspendam as contas de usuários que tiveram os contratos rescindidos pelas operadoras de telefonia. Com esse artigo, alerta Gallo, “brasileiros sem crédito no pré-pago não vão poder acessar serviços de mensagem”.
Proteção de dados
Membro indicado pela Câmara dos Deputados para o Conselho Nacional de Proteção de Dados e Privacidade, o advogado Danilo Doneda acredita que a legislação de proteção de dados é a principal auxiliar para combater a desinformação, já que o sistema de disseminação de notícias falsas se baseia na coleta de informações do usuário.
“As fake news são menos assustadoras se não puderem escolher sua audiência”, observou. Para ele, as plataformas devem ser mais claras sobre o uso das informações dos cidadãos, e o usuário precisa ter confiança em relação ao uso de seus dados pessoais.
De acordo com Doneda, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPDP) coloca uma série de freios para o uso dos dados pessoais, prevendo, por exemplo, que só possam ser utilizados para finalidades específicas.
Os principais pontos da lei deveriam entrar em vigor em agosto, mas na Câmara, está em análise atualmente a MP 959/20, que adia para maio de 2021 a entrada em vigor de pontos da lei.
Doneda acrescentou que “o governo federal está vergonhosamente devendo à sociedade a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados”. Criada pela Lei 13.853/19, o órgão ainda não foi instituído pelo governo.
Com informações da Agência Câmara de Notícias.