
A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, discursou pela segunda vez, desde que assumiu o cargo, na Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) nesta segunda-feira (22). Em seu pronunciamento, ela afirmou que o Brasil segue “firme na defesa da democracia, da liberdade, da família e da vida a partir da concepção”.
Durante o evento virtual, ela reafirmou o posicionamento do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) e grupos radicais religiosos que buscam impedir a realização do aborto em situações já previstas em lei, como em caso de estupro, risco de morte para a mulher ou anencefalia do feto.
A ministra também listou ações que o governo estaria realizando para a proteção de grupos vulneráveis como indígenas, quilombolas e outros, entre eles o “Abrace o Marajó”. Segundo ela, esta iniciativa tem como objetivo implementar um novo modelo de desenvolvimento sustentável para a Amazônia para proteger a floresta e as pessoas que nela vivem. Porém, Damares evitou falar dos problemas relacionados à gestão da saúde na região.
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A ministra de Jair Bolsonaro também apresentou números do combate à violência contra os idosos e afirmou que, apenas no ano passado, mais de 13 mil denúncias do tipo foram apuradas e 3 mil inquéritos foram instaurados a partir dessas ações.
Violência contra as mulheres
No trecho curto em que se dedicou a tratar das políticas de combate e enfrentamento à violência contra a mulher, Damares se limitou a dizer que em 2020 foi executado o maior orçamento na área dos últimos cinco anos, sendo este valor cinco vezes maior que em 2018. Porém, não apresentou nenhuma medida concreta realizada em sua gestão para combater o problema.
A própria ONU se manifestou alertando os países sobre o aumento da violência doméstica contra meninas e mulheres durante o isolamento. Em declaração publicada em abril do ano passado, Phumzile Mlambo-Ngcuka, diretora executiva da ONU Mulheres e vice-secretária geral das Nações Unidas, destacou a gravidade do problema.
“É urgente fazer da prevenção e reparação da violência contra as mulheres uma parte essencial dos planos nacionais de resposta à Covid-19. Abrigos e linhas de ajuda para mulheres devem ser considerados um serviço essencial para todos os países, com financiamento específico e amplos esforços para aumentar a conscientização sobre sua disponibilidade” afirmou.
Entretanto, a realidade do Brasil não faz crer que a pasta entendeu a gravidade da situação. Apenas nos meses mais críticos da pandemia, entre março e junho de 2020, houve um aumento de 16% no número de feminicídios, em comparação aos números para o período no ano anterior.
Análise de Damares
Paralelamente ao discurso de Damares, a professora da Universidade de Brasília (UnB), Débora Diniz, antropóloga e pesquisadora em bioética, saúde e direitos humanos participou de uma live na página do Youtube “Católicas pelo direito de decidir“, grupo religioso que defende o direito ao aborto. Ela acompanhou e comentou o discurso da ministra junto à professora Maria José Josado, pesquisadora em gênero, política e religião.
Durante a análise da ministra, as docentes lembraram da postura do ministério durante o caso de uma menina de 10 anos que engravidou após ser estuprada pelo tio no Espírito Santo, no ano passado. Na época, Damares se posicionou contra o direito garantido em lei do aborto. Além disso, houve suspeita que seu gabinete vazou dados como o nome e endereço da criança, transformando a casa dela em local de manifestação de grupos religiosos extremistas.
“O caso da menina é emblemático da forma como este governo e a ministra Damares utilizam a religião a favor do seu fanatismo religioso”, afirmou Maria José
Débora Diniz afirmou que se tivesse que contar uma história sobre o Brasil de 2020 escolheria o caso desta criança para exemplificar o que passa a nossa população e como os grupos mais vulneráveis seguem sem a proteção que lhes é devida.
“Uma menina de 10 anos, uma menina negra, torturada em casa e perseguida pelo estado. Nós estamos aqui desafiando que imagens nós queremos para contar a história, para lembrar essa história” lamentou Débora.
Ao final do encontro, a professora Débora se dirigiu a Damares, que havia dito que ela e suas colegas têm “medo da ministra” e por isso iriam acompanhar seu discurso.
“Nós não temos medo. Nós, na verdade, temos muito receio do que ela vai dizer. Nós temos vergonha, nós temos indignação. Nós temos receio pelo caráter antidemocrático, nós temos receio sobre que história se mostra sobre as necessidades de um país em ebulição na violação dos direitos humanos, sobre como nós contamos o que está acontecendo com as mulheres e meninas na casa delas. […] Então esse receio, hoje, se concretizou na narrativa dos ministros, o que gera, não medo, mas uma profunda indignação que nos move para uma permanente vigilância ao que dizem os representantes do governo Bolsonaro”, disse.