
A transmissão massiva da guerra da Rússia contra a Ucrânia pelas redes sociais, algo até então inédito, trouxe um novo elemento para a batalha: o hackativismo, que transpôs os limites bélicos e marca um outro território na disputa. E nesse, a Ucrânia tem levado a melhor. Pelo menos, fora dos domínios russos.
Especialistas avaliam que a forma como a Ucrânia tem lidado com a guerra na internet é muito mais vantajosa do que o que faz Vladimir Putin.
Enquanto o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, encoraja a população a participar da sempre presente disputa de narrativas, Putin domina os meios de comunicação e censura os que teimam em notícias o que desagrada o Kremlin.
Para o especialista em internet Gregory Asmolov, do King’s College London, a disputa se dá uma rede horizontal ucraniana contra a estrutura vertical russa.
“A resistência das redes é muito mais forte. Sistemas de informação verticais são extremamente frágeis”, afirmou Asmolov ao jornalista John Thornhill, do Financial Times.
Foram oito anos de ataques cibernéticos russos contra a Ucrânia. Mas isso também mudou.
Um exemplo dessa mudança é a empresa de cibersegurança Hacken, que já foi sediada em Kiev, capital ucraniana.
A Kacken entrou na batalha e afirma ter recrutado 10 mil hackers de 150 países.
Um dos intuitos é interromper sites da imprensa russa e disseminar as opiniões ucranianas pelas redes sociais.
“A comunidade de ‘hackers’ é tão bem organizada… É um verdadeiro exército”, diz Dmytro Budorin, fundador e CEO da Hacken, a John Thornhill.
Anonymous em cena
Na quarta-feira (2), o grupo de hackers Anonymous afirmou ter interceptado um plano da Rússia para matar Zelensky.
“Informação vazada do FSB [sigla para Serviço Federal de Segurança] russo alertou a Ucrânia para o plano de assassinato contra o presidente Volodymyr Zelensky. Agora, podemos esperar uma luta interna pelo poder dentro do Kremlin para derrubar o regime de [Vladimir] Putin”, afirmou o grupo no Twitter.
O grupo também assumiu a autoria de diversos ciberataques contra sites do governo russo, iniciados no último dia 24.
Entre os ataques, mensagens contra a invasão da Ucrânia em sites como o da agência estatal de notícias. Além disso, simularam grande número de acesso a sites, o que resultou na ‘negação do serviço’ pelo alto volume de dados fazendo com que saia do ar.
Censura na guerra
De sua parte, Putin segue manter seu domínio por meio de censura e perseguições. Um dos símbolos que remetem à resistência democrática na Rússia, a rádio Ekho Moskvi – Eco de Moscou, foi fechada pelo governo de Vladimir Putin.
A censura ao veículo, somada a tantos outros como a TV Djaj (chuva), impõe medo aos jornalistas, ameaçados pessoalmente por conta das reportagens sobre os ataques russos à Ucrânia.
A dissolução do conselho foi feita dois dias depois de a agência reguladora de comunicações Roskomnadzor determinar que ela deveria sair do ar até que ‘adequasse’ sua cobertura do conflito.
A readequação consistia em retirar palavras como ‘guerra’ e ‘invasão’ das notícias. O que não foi aceito pelas emissoras, que preferiram fechar as portas.
As redes sociais na guerra
Ao mesmo, as redes sociais têm desempenhado papel fundamental na famigerada disputa de narrativas.
Não estão, porém, preparadas para lidar com esse fluxo de informações e garantir a veracidade do que é publicado.
Essas informações têm “um efeito importante na forma como vemos e entendemos o conflito”, afirma Ricardo Luigi, doutor em Geografia das Relações Internacionais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em artigo publicado no Le Monde Diplomatique Brasil.
“A Guerra da Ucrânia é a primeira guerra transmitida pelas redes sociais, ainda não preparadas para lidar com a certificação da informação e repletas de informações distorcidas”, analisa Luigi, que também é professor da Universidade Federal Fluminense (UFF).
O professor observa que, apesar das redes de televisão estejam buscando se reinventar, “a maior parte da população, especialmente os mais jovens, já sofreram a virada tecnológica, informando-se pelas diversas redes sociais.”
Plataformas tentam agir em meio à guerra
As plataformas, porém, mostram que têm tentado agir.
Após se recusar a parar de rotular e checar mensagens da mídia estatal russa, a Meta, dona do Facebook, teve o acesso de usuários restritos para a população por parte do governo Putin.
Do seu lado, a dona do Facebook bloqueou monetização de páginas de mídias estatais russas e bloqueou contas tanto no Facebook como no Instagram. Além de acusar grupos pró-Rússia de fazer campanhas de desinformação por meio de perfis falsos ou contas hackeadas. A mesma medida foi adotada pelo TikTok.
O Google, dona do YouTube, também seguiu pela desmonetização, além de barrar recomendações de canais estatais russos, entre eles o canal Russian Today (RT) e a agência de notícias Sputnik.
O Google também suspendeu as atualizações das notícias do jornal Russian Times e o aplicativo não pode ser baixado por novos usuários.
O Google Maps teve o tráfego de dados desabilitado para proteger cidadãos ucranianos.
Já o Twitter cancelou a monetização de postagens tanto russas como ucranianas.
A empresa justificou que quer garantir que as informações de segurança pública tenham mais visibilidade e quer que os anúncios não prejudiquem essa circulação.
Links de sites estatais russos também passarão a ter uma advertência que diz: “Este link tem ligações com uma mídia afiliada ao Estado russo”.
O Telegram, que no Brasil desafia as autoridades, está sob suspeita. Um dos fundadores da concorrente Signal, Moxie Marlinspike, afirmou que as mensagens não são encriptadas e podem ser lidas pela empresa russa, assim como o conteúdo multimídia. O que pode ser, de acordo com ele, uma ameaça tanto para russos como ucranianos.
Se a publicação do dono do Signal realmente bate com a realidade ainda não há provas. Mas, certamente, foi uma excelente propaganda. Uma das companhias de internet da Ucrânia, registrou aumento no uso do aplicativo após a publicação de Marlinspike.
Idosos e crianças presos na Rússia
Sem contar todos os horrores da guerra, a censura que Putin insiste em impor tem feito com que imagens absurdas de crianças e idosos presos por se oporem aos ataques russos rodem o mundo.
Caso da ativista e sobrevivente do cerco dos nazistas a Leningrado durante a Segunda Guerra Mundial, Elena Osipova, de 90 anos, foi presa em um protesto em São Petersburgo contra a invasão russa à Ucrânia.
Osipova carregava cartazes que criticavam o uso de armamentos nucleares, ameaça feita por Putin.
De acordo com o “El País”, a ativista é conhecida, entre outras coisas, por um grafite que dedicou a uma amiga que perdeu toda a família durante o cerco nazista.
Outra notícia grotesca são a das cinco crianças presas por segurarem flores e cartazes com a frase ‘No war’ – não à guerra -, em Moscou.

Com idades entre 7 e 11 anos, elas foram levadas para a delegacia e multadas.
Ao todo, mais de 7 mil pessoas já foram presas por protestarem contra a guerra de Putin.
Com informações do Valor, Uol, Fórum, Poder 360 e Metrópoles