
É uma uma questão de tempo a quebra da Evergrande, a gigante imobiliária da China. Mercados mundo afora sentiram o baque do iminente calote da dívida da incorporadora chinesa, que provocou um contágio em cadeia.
Mas se o ocidente está assustado diante da possibilidade de um repeteco da crise de 2008, Pequim está mais preocupada em estancar a especulação imobiliária e dar seguimento à medidas regulatórias do setor. Essa é a avaliação do professor em Ciências Econômicas e em Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Elias Jabbour, um dos mais importanteS pesquisadores sobre o país asiático no Brasil.
Leia também: Ofensiva regulatória na China impacta grupo de investimentos dos EUA
Nesta segunda-feira (20) bolsas de valores no mundo todo sentiram o tsunami da iminente quebra da Evergrande. A empresa atuou em 1300 projetos em mais de 280 cidades nos últimos 25 anos e acumulou um dívida de 300 bilhões de dólares. Com a crise, muitos temem um calote seguido de uma quebra generalizada. Os analistas do ocidente comparam a crise com o que ocorreu com a quebra do Lehman Brothers, também provocada por uma crise imobiliária
Essa notícia afetou bolsas de valores no mundo todo e relembrou a crise global de 2008, gerada pela quebra da financeira Lehman Brothers, também provocada por uma crise imobiliária. Mas para Jabbour, em entrevista ao Valor, a questão é que está se observando somente o problema, que é a probabilidade de crise, enquanto o governo chinês está observando as oportunidades que a situação da Evergrande oferece para justificar maior regulação sobre o mercado imobiliário.
“O que menos preocupa é o efeito econômico. É o momento de regular”, aposta. “É uma regulação para conter especulação
imobiliária”, emenda Jabbour.
“O objetivo estratégico do governo chinês é apertar o cerco sobre o setor imobiliário, aumentando a regulação, assim como fizeram com as big techs. E a crise da Evergrande é a oportunidade para isso.”
Elias Jabbour
Em entrevista à Fórum, o professor e autor de diversos livros sobre a experiência econômica chinesa, a chance desse cenário se repetir é “zero”. “A possibilidade é zero dessa crise ser como a de 2008 porque a China tem conta de capitais fechada e sua moeda não é conversível, por isso, a chance é zero de acontecer que nem a de 2008. A conta de capitais é fechada e a moeda dos chineses é não conversível”, afirma.
Apesar de fazer uma análise de que não haverá o impacto que tem sido alardeado, o pesquisador aponta que a quebra da empresa é apenas uma questão de tempo e alguns efeitos econômicos virão, inclusive no Brasil.
Segundo ele, o governo chinês tem plena capacidade de percepção do tamanho do problema do endividamento da empresa. “A maior parte da dívida é em moeda local (renminbi). Nenhum país corre o risco de quebrar por causa disso”, observa o professor, sem descartar, porém, que o calote da Evergrande provoque uma “quebradeira” de outras empresas.
Ainda assim, o professor da UERJ avalia que haverá algum tipo de intervenção do governo chinês para evitar um risco social. “Ninguém vai ficar sem casa”, diz. Ele lembra que o governo tem avançado em medidas para diminuir o custo das chamadas “três grandes montanhas” (moradia, educação e saúde), diminuindo o poder dos monopólios. “Então a Evergrande não vai sair dessa sem cumprir com as obrigações. Não vão fazer como em 2008 quando socorreram os bancos”, afirma.
Jabbour completa que não existe nada “grande demais para falir” (“too big to fail”) na China. “As empresas podem ser grandes, mas não podem ter poder de monopólio”, emenda. “E é a chance do setor imobiliário será altamente regulado”, analisa.
Especulação imobiliária
“A quebra ainda não é um fato consumado, mas é algo muito próximo de acontecer porque a Evergrande não tem condição de arcar com as obrigações financeiras. Isso acontece porque existe uma queda da demanda por imóveis na China e o setor imobiliário tem uma característica de se alavancar antes de qualquer coisa. Eles se alavancaram muito. É evidente que tem muita especulação imobiliária aí e chegou o momento em que eles estão sem essa situação”, avalia. “Não é um fato consumado, mas é questão de tempo”, reforça.
Jabbour explica que houve “quase que uma superprodução de apartamentos” na China. “Ou seja, um dos problemas foi que o Estado deixou rolar muito frouxo a especulação imobiliária e agora é chance de regular o setor”, aponta.
Caminho da China é a regulação
Nesse sentido, Jabbour vê mais como uma oportunidade de novas medidas regulatórias do que uma quebra generalizada. “Não vai ter nenhum efeito cadeia. Na minha opinião, o governo vai agir rápido, até porque a dívida da empresa é com banco público e moeda local. Então, não vejo nenhum grande problema de insolvência no sistema financeiro. Vai ter problemas na economia sim, mas não vejo nada de tão grave assim como se está colocando no Ocidente”, declara.
“Acho que é uma oportunidade do governo chinês em regular de vez o setor imobiliário do país, que é algo que o Xi Jipping está dizendo há um bom tempo, de que apartamento é para morar e não especular. Ou seja, eles já deviam estar acompanhando a situação do Evergrande faz tempo, sabiam que ia acontecer e deixaram acontecer…”, enfatiza.
O Brasil, que tem a China como principal parceiro comercial, pode sofrer impactos decorrentes do desaquecimento do setor imobiliário. “Vamos ser impactados por conta da queda da exportação de minério de ferro. Se existe uma queda na demanda por apartamentos, vai ter uma queda na demanda de minério de ferro”, explica.
Com informações do Valor e da Fórum