
A escassez de chips mais complexos deve continuar até 2023 e os semicondutores simples, usados em máquinas de lavar roupa e cafeteiras, podem sofrer por ainda mais tempo. A revelação foi feita pelo o atual CEO da Intel, Pat Gelsinger, em uma entrevista ao site CNBC sobre a atual crise do mercado de semicondutores e a dificuldade do mercado em superar a escassez de chips que afeta toda a indústria.
De acordo com o executivo, os efeitos da atual crise estão no auge atualmente e ainda serão sentidos ao menos até 2023, quando será atingido o equilíbrio entre a alta demanda de processadores e a dificuldade de fabricantes em entregar todas as encomendas. Em uma previsão anterior, ele já havia citado que a escassez poderia durar por “alguns anos”.
Apesar disso, o CEO está otimista com a recuperação gradual do mercado e da própria empresa, a cada novo trimestre apresentando resultados menos pessimistas — a divisão de ecossistemas para chips desktok e notebooks da Intel apresentou uma queda de 2% em relação ao mesmo período do ano passado. O maior problema estaria mesmo em equipamentos mais complexos, como data centers e servidores que utilizam combinações mais elaboradas de semicondutores para a conexão em rede.
Outras previsões para os chips
Em entrevistas e conferências anteriores, outros representantes de empresas do ramo também indicaram quando a atual escassez pode dar uma trégua. Ela acaba ainda no final de 2021, segundo o CEO da Qualcomm, ou ainda impactar o mercado em 2022, como apontou a NVIDIA.
Entre outras consequências e motivos, a falta de semicondutores também derrubou a venda de celulares, adiou lançamentos de empresas como a Apple e trouxe impactos financeiros altos para indústrias como a de automóveis.
Brasil depende da produção externa
Apesar de a escassez desses insumos ser global, o Brasil enfrenta também a quase que total dependência da produção externa e, por isso, as indústrias do país não conseguem reverter a falta desses chips. De acordo com a Abisemi (Associação Brasileira da Indústria de Semicondutores), cerca de 90% dos semicondutores usados por aqui são importados.
Para o presidente da Abisemi, Rogério Nunes, o Brasil representa cerca de 2,5% do mercado mundial de US$ 470 bilhões.
“A grande parte desses produtos são importados, já que a Abisemi atende a 10% do mercado brasileiro. Portanto, 90% do mercado brasileiro é importado. A dependência é muito grande. Dessa forma, as empresas sofrem ainda mais para garantir o material ou os preços”. Rogério Nunes
De acordo com entrevista concedida para a CNN, o executivo acredita que além da quebra das cadeias de suprimento causada pelos lockdowns necessários ao enfrentamento da pandemia, houve também um aumento do consumo de produtos que utilizam chips, como computadores e smartphones, por exemplo. Assim, com a disputa pelos semicondutores, o Brasil foi impactado e acabou por ficar ao fim da fila, aguardando a produção.
“[A falta de chips] impacta a competitividade do Brasil também. Há uma falta desses produtos porque é uma indústria que demanda um longo tempo de produção, próximo a quatro meses. Então, a capacidade de reação frente a uma demanda repentina acaba gerando uma dificuldade de aquisição”.
Rogério Nunes
Taiwan e Coreia do Sul lideram produção
De acordo com o professor de engenharia da Faa, Audemir Loris, o grande volume de chips produzidos vem da Ásia, principalmente de Taiwan e Coreia do Sul.
“No Brasil, dá para contar em uma mão as fábricas que conseguem produzir [os semicondutores]. Algumas localizadas na região de Campinas (SP) e outras no sul do país. O grande volume é asiático, com cerca de 80% da produção concentrada na Ásia, como Taiwan, Coreia do Sul etc.”, disse.
Estatal brasileira deve ser extinta
Ainda segundo a CNN, no Brasil, a principal produtora de semicondutores é a Ceitec (Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada), estatal vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), criada em 2008 e localizada em Porto Alegre (RS). Porém, a empresa encontra-se em processo de liquidação, determinado pelo governo federal.
A companhia é a única da América Latina a produzir sensores e circuitos integrados em silício. Além disso, também produz chips para identificação logística e de patrimônio, identificação pessoal (chip do passaporte), identificação veicular e identificação de animais. A Ceitec desenvolve também projetos de pesquisa de ponta na área de saúde para detecção precoce de câncer e de exames mais rápidos e baratos.
Segundo a empresa, nos últimos dois anos houve um aumento de 154% na produção. Apesar da alta, a companhia ainda é dependente do Tesouro Nacional, ou seja, precisa de recursos do Orçamento para bancar despesas de custeio e com pessoal. Em 2018, último ano com dados disponíveis, o patrimônio líquido da empresa era de R$ 130 milhões e o prejuízo foi de R$ 7,6 milhões.
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Normalização só no fim do ano
Com poucos locais que abastecem a demanda local, segundo Loris, a normalização do fornecimento de chips só deve ocorrer no segundo semestre deste ano.
“A cadeia de produção desses produtos de alto valor agregado é extremamente integrada, é meio ‘just in time’. Ninguém mantém estoque de chips para mais de uma semana de produção, para reduzir custos e pelo risco de manter esse produto em seu estoque. Assim, pelo menos até o ano que vem, sentiremos isso, e só deve começar a se normalizar no segundo semestre, ao fim deste ano”, afirmou.
Possível saída
Para Audemir Loris, da Faap, para reduzir a dependência externa, o país precisa de pesado investimento no setor, que, para ele, será de extrema importância no futuro.
“O pessoal fala de petróleo, mas quem apostar em chips vai estar melhor na disputa global. Teríamos que ter um aporte nas indústrias e também um fomento por parte dos órgãos do país, estaduais e federais, o que seria fundamental para termos tecnologia e produtores suficientes para a produção nacional”, disse.
“Até temos grandes centros de pesquisas, onde se projetam, mas não temos indústrias com capacidade para produzir isso. A produção nacional ainda está baseada em uma tecnologia de 600 nanômetros. Só que a tecnologia atual em Taiwan, por exemplo, é de 10 [nanômetros]. Para chegarmos nesse patamar, precisaríamos de muito investimento, talvez até maior do que o volume que nós consumimos em chips”, completou o professor.
Com informações do TecMundo e CNN Brasil