
Temida pelo Palácio do Planalto, a primeira semana da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia no Senado Federal terminou com um rastro de contra-ataques bolsonaristas em série. Além das costumeiras declarações belicosas, porém, em sequência mais acelerada, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) decidiu ir além. Durante a semana, acionou a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para obter informações privilegiadas sobre adversários políticos. O pedido do presidente foi atendido.
Na quinta-feira (5) pela manhã o Centro de Monitoramento de Crise da Abin disparou mensagens via WhatsApp para 26 superintendências estaduais. A orientação era de que os agentes fizessem um levantamento completo de “desvios de verbas” e “compra irregulares” em saúde por prefeituras e governos estaduais durante a pandemia.
Leia também: Governadores tentam contornar ataques de Bolsonaro à China
O intuito desses dossiês é subsidiar argumentos da base bolsonarista e tentar mudar os rumos da CPI, que acumula consecutivos placares negativos para o Planalto. Até o momento, os governistas têm apresentado argumentos frágeis ao defenderem o Executivo.
Inicialmente destinada a investigar apenas as omissões da gestão Bolsonaro diante da pandemia da Covid-19, o governo conseguiu que a CPI incluísse no objeto de apuração a atuação dos governadores e prefeitos. A estratégia é jogar para o colo deles as responsabilidades, alegando que o dinheiro para as ações foi repassado e, portanto, não caberia ao Executivo Federal nada além disso.
Mensagem partiu de “central bolsonarista” na Abin
Na mensagem enviada pela Abin constava uma orientação para que fossem usadas “exclusivamente fontes abertas” das superintendências estaduais da agência. Isso é visto como como uma estratégia para tentar eximir o governo e os responsáveis pelo envio da mensagem de usarem a inteligência nacional com propósito de investigar indevidamente prefeitos e governadores.
Esta denúncia veio à público em uma reportagem da revista Crusoé, nesta sexta-feira (7). De acordo com a apuração, o setor de onde saiu a ordem é conhecido como “central bolsonarista”. Isso porque os agentes seriam os mesmos responsáveis por atenderem outros pedidos do presidente. No caso, teriam sido enviados documentos referente às investigações sobre o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), investigado pelo caso das rachadinhas na Assembleia carioca.
A Abin é subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI), comandado pelo ministro Augusto Heleno, um dos ministros mais próximo ao presidente. O nome do militar é cogitado para entrar na lista dos depoentes da CPI da Pandemia. A convocação dele é esperada para a próxima semana.
Lives de Bolsonaro às quintas
Enquanto na manhã da quinta os agentes de inteligência eram acionados para montar um dossiê capaz de subsidiar a base bolsonalista na CPI da Pandemia, à noite o presidente Bolsonaro ameaçava um movimento, entendido por deputados da oposição, enquanto ameaça como golpismo.
Nas já tradicionais lives de quinta-feira, Bolsonaro afirmou que terá voto impresso em 2022 ou “não terá eleição”.
“Se o Parlamento brasileiro, por maioria qualificada, por 3/5 da Câmara e no Senado, aprovar e promulgar, vai ter voto impresso em 2022 e ponto final. Vou nem falar mais nada, vai ter voto impresso. Porque se não tiver voto impresso é sinal de que não vai ter eleição, acho que o recado tá dado. Não sou dono da verdade, mas eu respeito o Parlamento brasileiro assim como eu respeito o artigo quinto da Constituição”, disse.
Esta declaração tem como destinatário, também, o ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Luís Roberto Barroso. Durante entrevista à GloboNews, no início da semana, Barroso criticou iniciativas de parlamentares no sentido de discutir a volta do voto impresso. Pouco antes, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), falou na possibilidade de criar uma comissão para discutir uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) obrigando o voto impresso.
“Vamos criar o caos no sistema que funciona muitíssimo bem”, reformou Barroso.
Dias antes, o presidente da República foi à publico para emitir novos ataques à China, principal fornecedora de insumos para produção de vacina no Brasil. De maneira semelhante, também disse que iria editar um decreto proibindo governadores e prefeitos de restringirem atividades econômicas por conta da pandemia e chamou de “canalha” quem é contra o tratamento precoce.
Sexta com mais cloroquina no radar
No Twitter, o presidente amanheceu o dia da sexta (7) postando o que intitulou de “resposta aos inquisidores da CPI sobre o tratamento precoce”. Depois de afirmar que “médicos receitam cloroquina”, ele conclui: “escolha e, por favor, não encha o saco”.
A postagem bolsonarista, entretanto, vai na contramão de um ato do Ministério da Saúde que dias antes da instalação da CPI da Pandemia decidiu tirar do ar uma nota técnica que manteve, vale dizer, por quase um ano, na qual recomendava o uso deste medicamento para casos de casos de Covid-19. A informação foi publicada pela revista piauí.
Curiosamente, em janeiro, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) tinha solicitado por meio de ofício a revogação desta nota. Não foi atendido. O líder da Oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), comentou a retirada do material do ar. “Precisou da pressão da CPI da Covida para o governo tirar do ar, 337 dias depois, a recomendação de uso de medicamento que pode colocar em risco a saúde dos brasileiro”, escreveu.
Tema preferido dos senadores da base na CPI, a defesa do uso da Cloroquina é um calo para o governo e prova de fogo para o atual ministro Marcelo Queiroga. Médico por formação, o ministro passou todo o depoimento à comissão tentando se equilibrar entre a ciência e as vontades do “chefe”.
Além do incentivo a um remédio sem comprovação para tratamento da Covid ao invés de investimentos em vacina e insumos hospitalares, possíveis superfaturamentos na compra de matéria-prima pelo Exército para confecção de comprimidos de cloroquina são investigados.
Próximos capítulos para Bolsonaro na CPI
Nas cenas dos próximos capítulos, a CPI da Pandemia vai ouvir o ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten. A expectativa é de que Wajngarten, que não saiu do governo muito feliz, relate como teria insistido para que a gestão bolsonarista comprasse as vacinas ainda em 2020.
Entre os pontos levantados pela Comissão Parlamentar estão a recusa do governo brasileiro a pelo menos onze ofertas de vacinas contra a Covid feitas por farmacêuticas, ainda no ano passado.
Também para os próximos dias é aguardado, finalmente, o depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazzuello, protagonista de uma série de tentativas atrapalhadas de fuga do inquérito. A mais notória delas foi a resposta de que estaria com suspeita de Covid.
General da ativa do Exército, Pazuello demonstra que teme a responsabilização pelo saldo de mortos da Covid durante a sua gestão. O ex-ministro teria perdido apoios, inclusive, do Exército, tamanha foi a exposição negativa que ele ocasionou aos militares ao longo da passagem que teve na pasta da Saúde.