
Após um mês, a cúpula da CPI da Pandemia do Senado Federal quer iniciar uma segunda fase dos trabalhos da comissão com o objetivo de materializar provas. As equipes dos senadores se debruçaram neste fim de semana sobre os documentos que chegaram ao colegiado com foco em encontrar evidências de negligência do governo Jair Bolsonaro (sem partido) na compra de vacinas e na atuação na defesa da cloroquina como política pública.
Há também a tentativa de provar a existência de um gabinete paralelo ao Ministério da Saúde na formulação de ações de combate à pandemia que não são recomendadas pela ciência. Em outra frente, os senadores aliados do governo, que são minoria, buscam furar o grupo majoritário da CPI explorando divergências entre seus integrantes.
Instalação da CPI ocorreu por ordem do STF
Após ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), a CPI foi instalada em 27 de abril e representou uma derrota para Bolsonaro . Tem o prazo de 90 dias, podendo ser prorrogada. De lá para cá, foram realizadas 13 sessões da comissão, tomados dez depoimentos e quase 600 documentos recebidos para a análise dos técnicos e dos senadores.
As principais diretrizes da CPI têm sido ditadas por um grupo majoritário formado por independentes e oposicionistas, que vêm provocando a ira de Bolsonaro. Aproveitando um cochilo da articulação política do governo, os partidos tiveram liberdade para indicar seus membros para a comissão, o que resultou em um ambiente hostil para o Planalto.
Esses sete senadores — de um total de 11 titulares da CPI — formaram um bloco e elegeram como presidente Omar Aziz (PSD-AM), que indicou para a relatoria Renan Calheiros (MDB-AL). A vice-presidência ficou com Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Técnicos e integrantes do grupo majoritário avaliam que já há elementos que levam à incriminação de Bolsonaro por crime contra a saúde pública. Ao fim dos trabalhos, a comissão pode pedir a órgãos, como o Ministério Público, o indiciamento das autoridades por ilícitos na gestão da pandemia.
Crime sanitário e ‘ministério paralelo’
A existência de crime sanitário é uma das vertentes de investigação de senadores. O principal objetivo dos depoimentos e da coleta de evidências daqui para frente será atestar que Bolsonaro também cometeu crime contra a vida.
Os senadores acreditam que as oitivas realizadas confirmaram que o presidente e seus comandados tinham real consciência do impacto da pandemia e que deveriam ter agido para minimizar os efeitos à população, incluindo uma mudança na conduta do próprio mandatário, o que não ocorreu.
Alguns desses depoentes devem voltar aos bancos da comissão, mas os senadores desse grupo agora pretendem partir para uma segunda etapa, que seria justamente materializar esses fatos. Documentos entregues à CPI mostram que pessoas apontadas como integrantes de um “ministério paralelo” ao da Saúde participaram de ao menos 24 reuniões para tratar de estratégias do governo no combate à pandemia.
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Aparecem nessas reuniões o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente, o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), o assessor especial da Presidência Tercio Arnaud, o ex-secretário da Comunicação Fabio Wajngarten e a médica Nise Yamaguchi.
Distribuição de cloroquina
Em outro documento, o Exército informou à CPI que distribuiu 2,9 milhões de comprimidos de cloroquina a estados e municípios entre abril e agosto de 2020 e aumentou a produção do medicamento a pedido da Saúde, que formalizou a demanda por meio de nota em que orientava o uso da droga como “terapia adjuvante no tratamento de formas graves de covid-19”, assim como a distribuição “rápida do fármaco”.
O uso da cloroquina ou da hidroxicloroquina para o tratamento da covid-19 é rechaçado por cientistas. Além disso, há uma série de emails enviados pela Pfizer buscando tratativas e fazendo ofertas de vacinas que foram ignorados pelo governo, que só intensificou as conversas para comprar o imunizante do laboratório americano em dezembro.
Convocação de governadores
Do lado governista, após fracassarem em construir uma maioria e tentar barrar Renan na relatoria, a aposta passou a ser dividir o foco das investigações, aumentando o escopo para apurar irregularidades nos recursos repassados para estados e municípios.
Em uma vitória sutil, os governistas conseguiram que fossem colocados em pauta e aprovados requerimentos para convocar nove governadores a depor na comissão. Por isso, um dos focos passou a ser tentar implodir o grupo majoritário, aproveitando uma fissura que aumentou consideravelmente nos últimos dias, com a convocação dos gestores estaduais.
A convocação dos governadores, em uma sinalização de Aziz para os governistas, provocou a reação do grupo que se autodenomina ‘G7’. Esses senadores defendem que as decisões sejam tomadas no voto, para fazer exercer o poder da maioria.
A possibilidade de se investigar governadores na CPI é discutida desde antes do início dos trabalhos. Em abril, o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) divulgou o áudio de uma conversa que teve com o presidente da República No diálogo, Bolsonaro cobrou que o escopo da CPI fosse ampliado para incluir governadores e prefeitos.
No último dia 26, depois de um mês de trabalhos na CPI, os senadores aprovaram as convocações dos governadores Wilson Lima (AM), Waldez Góes (AP), Ibaneis Rocha (DF), Helder Barbalho (PA), Wellington Dias (PI), Marcos Rocha (RO), Antônio Denarium (RR), Carlos Moisés (SC) e Mauro Carlesse (TO). Além deles, os senadores decidiram convocar a vice-governadora de Santa Catarina, Daniela Reinehr, e o ex-governador Wilson Witzel, do Rio de Janeiro.
Governadores pedem anulação de convocações
Um grupo de 19 governadores pediu ao presidente da CPI que anule os requerimentos já aprovados pela comissão para convocar os chefes do Executivo estadual a depor. O colegiado referendou, na semana passada, a convocação de nove governadores, além de uma vice e de um ex-governador.
O pedido foi feito em uma carta assinada no último dia 28, mesma data em que estes 19 governadores foram ao Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar as convocações. Em ambos os documentos, os gestores argumentam que as convocações violam o pacto federativo e a separação entre os poderes.
Os governadores sugerem que aceitam colaborar com a CPI se os pedidos de convocação, que implicam na obrigação de comparecer, sejam transformados em convites, em que a presença é opcional.
Os gestores afirmam a Aziz que “estão à disposição da Comissão para prestar todas as informações solicitadas, como aliás já estão fazendo a partir de informações requeridas com o devido amparo legal”. Os senadores buscam analisar se houve desvios e irregularidades na aplicação de dinheiro público no combate à pandemia.
Próximos depoimentos
Governadores
- Wilson Lima (AM)
- Helder Barbalho (PA)
- Ibaneis Rocha (DF)
- Mauro Carlesse (TO)
- Carlos Moises (SC)
- Antonio Oliverio Garcia de Almeida (RR)
- Waldez Góes (AP)
- Wellington Dias (PI)
- Marcos José Rocha dos Santos (RO)
- Wilson Witzel‚ ex-governador do Rio
Aliados do governo e assessores
- Filipe Martins assessor internacional da Presidência (atuaria em uma espécie de “ministério paralelo” da crise da covid)
- Carlos Wizard empresário que atuava como conselheiro de Eduardo Pazuello na Saúde
- Arthur Weintraub ex-assessor especial da Presidência
- Marcos Arnaud conhecido como Marquinhos Show, que era responsável pela comunicação de Pazuello
- Aírton Cascavel atual secretário de Saúde de Roraima e ex-homem forte de Pazuello no ministério
- Luana Araújo que chegou a ser anunciada como secretária especial de Enfrentamento à Covid, mas saiu após 10 dias
Reconvocados
- Eduardo Pazuello ex-ministro da Saúde, que prestou depoimento nos últimas dias 19 e 20
- Marcelo Queiroga atual ministro da Saúde, que prestou depoimento no último dia 6
CPI antecipa novo depoimento de Queiroga
EM reunião no domingo (30), integrante da CPI determinaram a alteração da agenda de depoimentos da comissão. Com isso, anteciparam a reconvocação do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, de acordo com reportagem da CNN Brasil.
Queiroga e a médica Luana Araújo, crítica do uso da cloroquina que deixou o cargo de secretária de Enfrentamento à Covid-19, deverão comparecer ao colegiado ainda em junho.
Segundo o presidente Aziz, o ministro da Saúde precisa ser, novamente, questionado diante da insistência de Bolsonaro em comparecer, sem máscara, a manifestações que causam aglomerações.
O ministro da Saúde disse à CNN Brasil que está à disposição do Poder Legislativo para prestar esclarecimentos no âmbito da CPI da Pandemia. “Estou à disposição do Parlamento para prestar os esclarecimentos que julgarem cabíveis”, disse.
‘Pulsão de morte’
O relator Renan disse no domingo que viu os protestos realizados pelo Brasil, no sábado (29), como uma reação às atitudes do presidente ante à pandemia de Covid-19. Para o senador, caso o chefe do Executivo não mude de postura, principalmente quanto à promoção de aglomerações, as manifestações se tornarão ainda maiores.
Renan usou o termo “pulsão de morte”, criado pelo psicanalista austríaco Sigmund Freud há cerca de um século. No conceito de Freud, a pulsão de morte pode ser descrita como um impulso direcionado à destruição, com valorização à agressividade.
“Se o presidente da República não parar com essa pulsão de morte, cada vez mais as pessoas irão às ruas, pelo desespero e pelo agravamento da doença”.
Renan Calheiros
Para o senador, mais do que um provável desgaste do governo Bolsonaro, milhares de pessoas foram às ruas movidas por indignação com a gravidade da pandemia, que pode se encaminhar para uma terceira onda com a circulação de novas variantes do coronavírus e apenas cerca de 10% da população vacinada com duas doses.
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“Esses atos não aconteceram para acelerar o desgaste do governo, não. Eles são consequência desse clamor de pessoas que perderam entes queridos, outras que estão sequeladas e outros que estão com medo de morrer, já que o governo não comprou vacina na hora certa”, afirmou Calheiros.
O senador também fez uma diferenciação entre os atos organizados por forças políticas e sociais de esquerda e aqueles que foram realizados recentemente, em apoio a Bolsonaro. “Pelo que vi as pessoas usavam máscaras e guardavam distância. Foi uma manifestação pela vida, diferentemente daquelas que são convocadas pela pulsão de morte do presidente da República”.
CPI deveria conter Bolsonaro
Para Renan, apesar de os senadores terem avançado na investigação sobre o atraso na vacinação e a falta de coordenação federal, a CPI ainda não conseguiu conter o ímpeto de Bolsonaro em continuar provocando aglomerações.
No dia 23 de maio, ao lado do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, o presidente participou de um passeio de motociclistas no Rio de Janeiro. Sem usar máscara facial, ele provocou aglomerações e ainda discursou em cima de um carro de som.
“O presidente continua fazendo tudo que está fazendo, e nesse sentido a CPI não tem cumprido seu papel, porque as CPIs se instalam e são criadas exatamente para investigar e para estancar aquelas coisas que estão ocorrendo”, disse Renan em entrevista à GloboNews.
“O presidente da República continua fazendo as mesmas coisas. E entra no STF [Supremo Tribunal Federal] para pedir autorização para continuar aglomerando, o que faz todos os dias. Por que ele faz isso? É por negligência e irresponsabilidade? Sinceramente, acho que não, acho que faz isso porque ele, com muita veemência, sempre defendeu a necessidade de deixar o vírus caminhar para elevar o contágio da população, ele até falou que algumas mortes podem acontecer, mas que são normal, porque a imunização será uma imunização natural”.
Renan Calheiros
Com informações do jornal Folha de S.Paulo, Uol e Revista Fórum