
O novo coronavírus chegou ao Parque do Xingu, reserva indígena no norte do Mato Grosso, com mais de 7 mil habitantes de 16 etnias. No último fim de semana, o cacique Vanité Kalapalo e seu Yarurú, da aldeia Sapezal, foram internados no Hospital Regional de Água Boa (MT), a 736 Km de Cuiabá, com sintomas agudos da covid-19.
Outras indígenas da aldeia Sapezal, uma das mais próximas da cidade de Querência (MT), também fizeram testes com suspeita da doença.
O povo Kalapalo foi isolado, mas segundo especialistas e lideranças de outros povos, a previsão é que o coronavírus se espalhe pela primeira grande terra indígena demarcada pelo governo federal, em 1961, e considerada patrimônio nacional.
Em abril, reportagem do caderno especial Sebastião Salgado na Amazônia – Xingu, da Folha, já alertava para a chegada da covid-19 àquela terra indígena.
Genocídio
“O cenário é de possível genocídio”, afirma o médico sanitarista Douglas Rodrigues, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que há 40 anos trabalha no Xingu. “Se a taxa de transmissão do vírus seguir em alta como aconteceu nas aldeias da Amazônia, num pior cenário teremos 2.000 infectados e poderemos chegar a cem óbitos.”
Segundo o sanitarista, o potencial de propagação do coronavírus no Xingu dependerá da organização dos próprios índios, da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI), e da Fundação Nacional do Índio (Funai).
“Mesmo com orientação e avisos sobre a pandemia, pedindo para que a circulação fosse evitada, não foi possível fazer com que alguns índios, principalmente os mais jovens, não deixassem suas aldeias. Parte das pessoas não acreditou no potencial da pandemia, há também desinformação e fake news circulando”, diz Rodrigues. “Também nesta época do ano são comuns surtos de gripe e de infecções respiratórias no parque. Há quase dois meses, quando muitos começaram a ficar doentes em uma das aldeias Kalapalo, pedimos à Sesai testes para covid-19, mas isso não foi feito. Então não sabemos se a doença chegou ali há mais tempo.”
Falta de suporte
Todas lideranças indígenas e profissionais de saúde ouvidos pelas Folha dizem que o governo não tem ajudado e que falta informação correta.
A disseminação de notícias falsas ou incorretas, segundo alguns indígenas, está levando medo à população. Em um áudio ao qual a Folha teve acesso, o presidente da Atix, Ianukulá Kaiabi Suiá, diz que há pessoas falando em não reportar sintomas aos agentes de saúde, porque, se isso acontecer, “eles serão levados aos hospitais, serão intubados e vão morrer”.
A médica Daphne Andrade, do DSEI Xingu, diz que não ouviu isso nas aldeias do Alto Xingu nas quais ela trabalha. “Rodei muitas aldeias levando informação sobre corona, fazendo alguns testes e não ouvi isso. Eles falam sim que têm medo de intubar, porque isso todos nós temos, né? Mas não ouvi isso de não reportar sintomas.”
A reportagem tentou contato com alguma liderança dos Kalapalo, mas por problemas de comunicação no local, não conseguiu.
Em nota, o Ministério da Saúde, por meio da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), diz trabalhar em articulação com o estado, tanto que está prevista a instalação de ala indígena em hospital do Mato Grosso. E que o Distrito Sanitário Especial Indígena do Xingu já recebeu 720 testes para covid-19 e que estão sendo enviados mais mil.
Com informações da Folha de S. Paulo.