
Foto: Cedae/Divulgação
A agenda privatista neoliberal deu um passo importante nesta sexta-feira (30). Está sendo realizado desde às 14h o leilão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), na sede da Bolsa de Valores (B3), em São Paulo (SP). De acordo com o governo federal, a concessão da empresa é o maior e mais importante projeto de infraestrutura no país dos últimos tempos.
O leilão propõe mudar completamente os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário da capital fluminense e de outros 34 municípios do estado que foram divididos em quatro blocos para serem concedidos à iniciativa privada pelo prazo de 35 anos.
A Cedae atende 64 dos 92 municípios do Rio. Os demais 28 ou já tinham concedido individualmente o saneamento à iniciativa privada — exemplo de Niterói — ou já faziam parte de um consórcio, caso da Região dos Lagos.
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Alessandro Molon critica o leilão
O líder da Oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), deixou claro seu posicionamento contra o leilão. “É muita desonestidade do governo federal classificar como ‘o maior e mais importante projeto de infraestrutura no país’ a privatização da Cedae, uma empresa estratégica para o povo do Rio, que foi sistematicamente sucateada com a finalidade de ser vendida. Água não é mercadoria”, escreveu pelas redes sociais.
Em vídeo, o parlamentar socialista explica o motivo por ser contrário à venda da companhia. Confira:
30 municípios ficaram de fora da concessão da Cedae
Já 30 as prefeituras da área de atuação da Cedae que estão fora do projeto de concessão e não manifestaram interesse em aderir ao plano do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Elas terão de arcar, por conta própria, com a distribuição da água potável e a coleta e tratamento de esgoto.
Ao todo, 12 empresas, nacionais e estrangeiras, demonstraram interesse pelo projeto. Mas para a disputa final foram formados quatro consórcios empresariais, cada um liderado por grandes investidores. As propostas formalizadas por cada um deles serão conhecidas durante a sessão pública do leilão.
Decreto aprovado na Alerj não impede leilão
A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou, na quinta-feira (29), projeto de decreto legislativo sustando o leilão da Cedae. Porém, o governo do estado divulgou nota mantendo o certame, sob a alegação de que a medida legislativa não poderia suspender o leilão, pois a concessão do serviço é dos municípios atendidos pela companhia.
Entenda o projeto de concessão da Cedae
O BNDES ficou responsável pela modelagem do projeto de concessão da Cedae tão logo o Rio de Janeiro ingressou, em 2017, no Regime de Recuperação Fiscal proposto pela União. Desestatizar a empresa era uma condição para o estado entrar no programa.
A venda completa da empresa, no entanto, foi substituída pelo modelo de concessão. Nele, a iniciativa privada se compromete a fazer os investimentos necessários e assume os riscos da exploração da atividade concedida — não há contrapartida do governo — e, ao fim do contrato, os ativos concedidos voltam ao poder do estado, que pode voltar a administrá-los ou concedê-los novamente.
O projeto final entregue pelo banco manteve parte da Cedae sob o comando do estado e dividiu as áreas geográficas em que a empresa atua em quatro blocos distintos. Cada bloco tem uma região da capital e um conjunto de municípios da Região Metropolitana e do interior. Assim, o estado poderá ter até quatro empresas, ou consórcios, gerindo os serviços de distribuição de água e coleta de esgoto.
A produção da água — gestão, captação e tratamento — continuará sendo feita pela Cedae. Ou seja, o governo vai vender a água para as concessionárias distribuí-la à população. O modelo é semelhante ao existente em Niterói, na Região Metropolitana do Rio, onde a empresa privada responsável pelo esgotamento sanitário e abastecimento de água compra a água do município.
De acordo com o BNDES, o edital não prevê aumento real no preço final da água das tarifas cobradas dos consumidores. Será permitido apenas a reposição da inflação que incide sobre os custos do setor, cujo percentual será definido pela agência reguladora.
Modelo ‘filé e osso’
Segundo o BNDES, um dos principais critérios para a divisão das áreas da Cedae foi garantir que todas as cidades envolvidas no projeto de concessão sejam efetivamente beneficiadas. Cada um dos quatro blocos contêm tanto o “filé” quanto o “osso” do saneamento do estado.
Dos 92 municípios do Rio de Janeiro, 35 serão afetados pelo leilão da Cedae. Entre eles, há grandes diferenças sociais, econômicas e ambientais que tornam alguns muito atrativos à iniciativa privada, dado o potencial de arrecadação financeira, e outros pouco atrativos, tendo em vista a necessidade de maiores investimentos e menor retorno econômico.
O Bloco 1, por exemplo, o mais caro entre os quatro (lance mínimo de mais de R$ 4 bilhões), é o que tem o maior número de municípios, 18 no total. Entre elas está São Gonçalo, que é a segunda mais populosa do estado, com mais de 1 milhão de habitantes, e São Sebastião do Alto, que tem pouco mais de 9,3 mil habitantes.
Esse modelo não é novidade no Brasil. Estados como o Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Tocantins já haviam feito concessões à iniciativa privada. O mesmo foi feito em Alagoas em setembro do ano passado, no primeiro leilão sob a luz do novo marco legal e com modelagem também feita pelo BNDES.
Um leilão superlativo: esgoto mais caro que petróleo
Todos os números que envolvem a concessão da Cedae permitem chamá-lo de um megaleilão, principalmente os que envolvem cifras, bilionárias em sua maioria. Em termos financeiros, o leilão da Cedae é maior que os de exploração de petróleo na camada pré-sal, que é um dos maiores reservatórios do combustível fóssil mais disputados do planeta.
A arrecadação mínima prevista com a concessão dos quatro blocos da Cedae é de aproximadamente R$ 10,6 bilhões. Já o investimento obrigatório das empresas vencedoras é da ordem de R$ 30 bilhões. Em 2018, um leilão de quatro blocos do pré-sal rendeu à União a arrecadação de aproximadamente R$ 6,8 bilhões e os investimentos previstos para as áreas eram de R$ 1 bilhão.
A disputa
Cada bloco leiloado tem um preço mínimo, chamado de valor de outorga, que varia de R$ 908 milhões a R$ 4,036 bilhões. Vence a disputa a empresa ou consórcio que oferecer o lance mais alto.
O resultado deverá ser anunciado rapidamente, tento em vista que são apenas quatro blocos e que o processo do leilão é dinâmico. As ofertas já foram entregues à B3 e serão abertas durante a sessão. A apuração do lance mais alto é realizada em pouco tempo.
Grandes grupos econômicos estão no páreo
Conforme reportagem do jornal O Globo, quatro consórcios empresariais farão propostas neste leilão. Eles são formados por grandes grupos econômicos do país e fundos de investimentos internacionais. Ainda segundo apurado pelo jornal, um dos blocos licitados terá oferta de apenas um dos concorrentes.
Um dos destaques entre os consórcios é a Sabesp, empresa pública de saneamento controlada pelo governo de São Paulo. Ela integra o consórcio liderado pela Iguá Saneamento, que é controlada por um fundo de investimentos e tem entre os sócios o Bndespar, fundo de investimentos do BNDES, e já tem 18 contratos de saneamento no país, incluindo quatro parcerias público-privadas (PPPs). Este consórcio estaria interessado nos lotes 1 e 2.
Os outros três consórcios que participam da disputa, são:
- Egea, formado por 47 empresas e liderado por uma companhia fundada em 2010 que tem contratos de concessão de água e esgoto em 126 municípios. Este grupo é controlado pela Equipav e tem ainda como acionistas o Fundo Soberano de Cingapura e o grupo Itaú (Itaú/SA). Este consórcio teria propostas para os quatro blocos ofertados, sendo o único interessado no bloco 3.
- Redentor, liderado pelo Grupo Equatorial, que reúne, entre outros acionistas, a Squadra Investimentos, o Opportunity e o fundo americano Black Rock, que gere ativos de mais de US$ 20 bilhões em todo o mundo. Este consórcio faz a gestão de empresas de energia no Norte e Nordeste do país e tem participações em companhias de distribuição e termoelétricas. Os blocos de interesse dele seriam o 1, o 2 e o 4.
- Rio Mais Saneamento, cujo controle acionário é do grupo canadense Brookfield Business Partners LP e tem entre os participantes a BRK Ambiental, que opera concessões e PPPs em mais de cem cidades e participa da concorrência ao lado do Grupo Águas do Brasil, que opera projetos de concessão em Niterói e na Zona Oeste da capital. Este consórcio também teria interesse nos blocos 1, 2 e 4.
Com informações do G1 e Agência Brasil