
A guerra desencadeada com a invasão da Ucrânia pela Rússia deve ter consequências diretas e indiretas para setores da economia brasileira, em especial os ligados ao agronegócio.
A possibilidade desse cenário se dá porque o Brasil se tornou altamente dependente de agrotóxicos importados da Rússia. Tal política foi privilegiada no governo Bolsonaro em detrimento da agroecologia.
Se, por um lado, não há grandes empresas brasileiras com operações na Ucrânia atualmente, a guerra entre Rússia e Ucrânia tem repercussões imediatas nos preços internacionais de trigo e milho, uma vez que os países são produtores das duas commodities, e do barril do petróleo, uma vez que a Rússia tem grandes reservas.
A Ucrânia é responsável por 16% das exportações de milho globalmente e 10% das de trigo, enquanto a Rússia detém 18% das exportações de trigo mundiais, de acordo com relatório do banco Itaú BBA. Juntos, os países representaram nos últimos três anos cerca de 20% e 30% das exportações globais de milho e trigo, respectivamente.
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O Brasil em si não é um grande importador de trigo e milho desses países, mas é afetado porque os preços das commodities em mercados futuros já está em ascensão.
As ações de BRF recuaram 6,07% e encerraram o pregão cotadas a R$ 17,34, enquanto os papéis de M. Dias Branco caíram 3,62%, negociadas a R$ 22,89.
Brasil compra fertilizantes da Rússia
Os fluxos comerciais do Brasil com a Rússia são mais intensos do que com a Ucrânia. O país governado por Vladimir Putin foi o sexto maior exportador ao Brasil no ano passado, tendo vendido US$ 5,7 bilhões. Entre os principais produtos da pauta estão fertilizantes.
A nossa balança comercial com os russos é deficitária: em 2021, exportamos ao país US$ 1,6 bilhão. Vendemos à Rússia principalmente soja, carne e café.
Já o comércio bilateral entre Brasil e Ucrânia é reduzido. O país do leste europeu ocupa a 75ª posição entre os maiores destinos de exportações brasileiras e o 63º lugar entre os países dos quais mais importamos.
O fluxo comercial entre os dois países em 2021 foi de aproximadamente US$ 438 milhões. No ano passado, o Brasil teve pequeno superávit na balança comercial com o país, de US$ 15,4 milhões.
O conflito tem preocupado especialmente produtores de amendoim que exportam aos dois países. O amendoim é hoje o principal produto da pauta de exportações do Brasil à Ucrânia. O valor exportado no ano passado foi de US$ 29,2 milhões.
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Um dos maiores exportadores brasileiros do produto é a indústria paulista Beatrice Peanuts, que tem cerca de 450 funcionários e diz vender anualmente mais de 55 mil toneladas da commodity.
Rússia e Ucrânia, somados, representam 20% da receita da companhia com exportações atualmente, de acordo com o presidente da empresa, Pablo Rivera.
“O cenário é de incerteza porque não sabemos se as sanções econômicas à Rússia vão afetar os pagamentos. Se de fato as instituições financeiras russas perderem o código SWIFT (protocolo internacional de identificação de bancos), por exemplo, não conseguiremos receber pagamentos”, afirmou Rivera.
A Breatice Peanuts tem produtos já embarcados com destino ao porto de Odessa, na Ucrânia, cidade já tomada pela Rússia. A Ucrânia também é destino de exportação de máquinas agrícolas brasileiras. Segundo José Velloso, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), a venda ao país é recorrente, embora pequena.
Multinacionais brasileiras como Stara e Jacto estão entre as empresas exportadoras de equipamentos para Ucrânia e Rússia, sendo que o mercado russo é mais relevante. Procuradas, as empresas não quiseram se manifestar.
Problema de ordem mundial
De acordo com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que monitora os impactos no setor, a guerra tem potencial para interromper o fornecimento de fertilizantes fosfatados, nitrogenados e potássio vindos da Rússia.
“Muitos produtores não fecharam a compra de fertilizantes diante da queda projetada nos preços dos insumos a partir do segundo trimestre. Agora, precisamos rever as estratégias, é algo que pode mexer com o próprio abastecimento brasileiro”, declarou Bruno Lucchi, diretor técnico da entidade.
O que mais preocupa os produtores é o fornecimento de potássio, pois, Belarus é responsável por 20% do abastecimento e já enfrenta problemas para exportar o insumo.
A Ucrânia e a Rússia “representam 40% do mercado mundial de potássio. Com problemas nos dois países” haverá falta de potássio na próxima safra. Tal cenário deve “bagunçar” o comércio mundial com aumento de preços, mudança em rotas de exportação e com a ampliação das comprar via Canadá e Marrocos, outras fontes importantes de adubos.
A CNA também avalia que, além do Brasil, boa parte do mundo deve ser afetada pelo conflito entre Ucrânia e Rússia e prevê uma cadeia inflacionária que deve afetar o consumo das famílias diante da alta de preços.
Caso a guerra se prolongue e provoque desdobramentos geopolíticos, haverá “problema de ordem mundial”, segundo a CNA.
O preço da carne, que vem numa escalada de alta de acordo com IPCA, também pode subir diante do conflito no Leste europeu. A Rússia é um dos principais compradores de carne suína e bovina do Brasil.
Com informações do Valor Econômico e O Globo