
Quando Tóquio sediou os Jogos Olímpicos em 1964, ser LGBTQIA+ era um grande tabu no país. O contraste é total com as Olimpíadas 2020, que mostram uma diversidade sexual e de gênero sem precedentes na história do esporte.
Pelo menos 180 atletas que participam do evento são abertamente LGBTQIA+, mais do que o triplo do número na Rio 2016, conforme apontado pelo portal ‘Outsports’, especializado em informações sobre pessoas LGBTQIA+ no mundo dos esportes. E é um orgulho ser visto em Tóquio.
Símbolos LGBTQIA+ presentes em Tóquio
Na cerimônia de abertura, a polonesa Aleksandra Jarmolinska, do tiro esportivo, desfilou com uma máscara de arco-íris, que simboliza a comunidade LGBTQIA+. Muito envolvida na defesa dos direitos da comunidade LGBTQIA+, a americana Raven Saunders comemorou sua medalha de prata no arremesso de peso, formando um X com os braços no pódio, em sinal de apoio aos oprimidos.
Do lado brasileiro, o ponteiro da seleção masculina de vôlei, Douglas Souza, é quem tem chamado a atenção. Ele, que se tornou o jogador de vôlei mais seguido do mundo, é um dos poucos atletas brasileiros que revelaram sua homossexualidade, em um país que tem tristes recordes de violência homofóbica.
Além de Douglas, Raven e Aleksandra, outros atletas ressaltaram a importância de estarem disputando uma Olimpíada. “Estou muito orgulhoso de dizer que sou um homem gay… E também um campeão olímpico! Quando eu era mais jovem, pensava que não iria conseguir nada por ser quem eu era”, comentou o britânico Tom Daley, após sua medalha de ouro em Tóquio com Matty Lee na plataforma de 10 metros.
Primeira atleta olímpica transgênero
Essa também foi a primeira edição dos Jogos Olímpicos que contou com a presença de uma atleta transgênero, a halterofilista da Nova Zelândia Laurel Hubbard. Apesar de ter chegado bem classificada, Laurel não teve um bom desempenho e foi eliminada antes das finais do levantamento de peso.
Visivelmente sobrecarregada pelos acontecimentos, Hubbard não brilhou em Tóquio, mas sua mera presença gerou um complexo debate sobre questões de bioética, direitos humanos, igualdade e identidade no esporte.
“É claro que não estou totalmente alheia à controvérsia em torno da minha participação nesses Jogos”, disse.
“Por isso, gostaria de agradecer especialmente ao COI (Comité Olímpico Internacional) por ratificar seu compromisso com os princípios do olimpismo e estabelecer que o esporte é algo para todas as pessoas, que é inclusivo e acessível”, comentou, após um desempenho em que não conseguiu levantar nenhuma barra.
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Gon Matsunaka, chefe da “Pride House” de Tóquio, um centro especializado em minorias sexuais que abriu suas portas em outubro de 2020, acredita que a neozelandesa sofreu pressão adicional, devido à atenção que recebeu.
“Atletas como ela não deveriam ter que ser corajosas só porque são transgêneros”, disse Matsunaka, valorizando o gesto do coração que Laurel fez com os dedos na frente das câmeras no final de sua apresentação, que “pode ser interpretado como um sinal de apoio às pessoas trans”.
População LGBTQIA+ tem longo caminho pela frente
O japonês Itsuo Masuda, de 73 anos, assistiu a edição de 1964 com 16 anos na época, enquanto sofria de depressão e tinha ideias suicidas por não entender a própria sexualidade.
“Eu admirava os homens, mas não sabia que estava ligado à minha sexualidade. Estava muito confuso com isso, escrevia muito para minha mãe que queria morrer, o que a fazia chorar o tempo todo”. Itsuo Masuda
Agora, Masuda é o dono do “Kusuo”, um famoso bar gay no bairro arco-íris de Shinjuku Nichome, em Tóquio. Sozinho no bar, no momento fechado pelo estado de emergência em vigor, devido à pandemia, ele acompanha os Jogos em uma capital japonesa que os recebe pela segunda vez.
Masuda está feliz por poder presenciar uma edição mais diversa, que traz esperança para a população LGBTQIA+: “Temos um longo caminho a percorrer”, completa ele.
Uma nova lei antidiscriminação não passou antes dos Jogos, devido à falta de consenso no Parlamento. Pela primeira vez, no entanto, um tribunal japonês decidiu em março deste ano que o não reconhecimento do casamento gay pelo país era inconstitucional. Masuda espera um dia ver atletas abertamente LGBTQIA+ participarem dos Jogos e que não seja algo extraordinário: “Só temos que viver mais para ver isso”.
Com informações da AFP