O mundo vivia uma época marcada por protestos, quando de repente foi decretado o isolamento social. Sem as ruas, como as manifestações continuariam?

Segundo o gráfico elaborado pelo Projeto de Localização de Conflitos e Dados sobre Incidentes (Acled, na sigla em inglês), a curva de protestos alcançou um pico muito elevado nos primeiros dias de março e caiu radicalmente quando o coronavírus começou a se espalhar entre a população.
Toda a expressão de desagrado social, muitas vezes agravadas por grupos radicais e repressão policial, foi freada pela pandemia. Mas não pararam, muito pelo contrário, ganham força nas redes e incorporam novas motivações decorrentes da crise sanitária. A grande maioria também preserva a intenção de voltar quando o confinamento acabar.
O EL País verificou como estão as manifestações em vários países e apresentou as seguintes informações:
Hong Kong
No dia 3 de abril completou um ano da primeira deliberação da lei de extradição proposta pelo Executivo de Hong Kong, que teria permitido a entrega de suspeitos de crimes para serem julgados na China e desencadeou um movimento de protestos governamentais.
A crise se tornou a maior vivida pela ex-colônia britânica e derrubou a lei da extradição. Porém, descontentamento com o governo continua e está cada vez mais sólido.
Uma pesquisa elaborada no fim de março pelo Instituto de Pesquisas de Opinião Pública de Hong Kong mostrava que o percentual de consultados que estão favoráveis às mobilizações (58%) agora são o dobro dos que se opõem (28%).
Argélia
Após 56 sextas-feiras consecutivas nas ruas, o Hirak, como se denomina em árabe o movimento de protestos antigovernamentais, suspendeu as manifestações na sexta-feira, 20 de março.
O movimento popular reivindica um novo regime onde o poder civil prevaleça sobre o militar. Embora tenha parado suas manifestações na rua, seus membros continuam muito ativos nas redes sociais.
O duelo travado contra o Exército continua durante a pandemia e o Hirak sofreu vários golpes desde então, com um integrante do movimento e um jornalista sendo presos. Por isso, mesmo com muito medo, a impressão é que continuarão depois da trégua.
Tebun decretou em 1º de abril um indulto presidencial que beneficia 5.000 presos. Mas entre eles não se encontram nem o ativista Karim Tabu nem o jornalista Khaled Drareni
França
A pandemia levou o movimento dos coletes amarelos e os protestos contra a reforma previdenciária à paralisação e confinamento. Porém, a crise sanitária evidenciou a desigualdade entre as elites profissionais e os trabalhadores precários, que os coletes amarelos, mesmo enfraquecidos, vêm denunciando em manifestações.
Os serviços públicos por parte do sindicato CGT informaram que farão uma paralisação se considerarem que sua segurança e direitos não estão sendo garantidos em tempos de pandemia. Isso porque durante esse período está suspensa a reforma das pensões.
A tensão com o governo se encontra, portanto, suspensa também. Mas porem reaparecer quando as restrições de isolamento forem revogadas.
Chile
Os protestos contra o neoliberalismo no Chile começaram em outubro do ano passado e foram vistos na rua até o dia quando o movimento feminista reuniu 2 milhões de mulheres em marcha pacífica nas ruas de Santiago, uma cidade de sete milhões de habitantes.
É fato que a nova geração chilena não se cala mais diante das injustiças do governo. No entanto, é difícil prever o que ocorrerá após a pandemia.
Líbano
Um imposto sobre as mensagens do WhatsApp foi o estopim que acendeu, em 17 de outubro de 2019, uma onda de manifestações que conseguiu juntar um terço da população. Porém a epidemia em pleno colapso econômico tirou os manifestantes da rua.
O país enfrentava uma das dívidas públicas mais elevadas do mundo (170% do PIB) e alta taxa de desemprego antes mesmo da epidemia eclodir.
Agora com a crise sanitária e econômica acontecendo simultaneamente os manifestantes usam as redes sociais para pressionar o governo a pagar os custos do tratamento contra o coronavírus para a população, que se vê refém do setor privado que representa 85% dos hospitais.
Os partidos políticos viram na crise sanitária e no medo da população uma oportunidade para se reerguerem e agora distribuem cestas básicas e até ajuda em dinheiro às suas bases sociais.