
Educadoras estão usando a cultura afrocentrada para ensinar inglês a mulheres pretas. Elas proporcionam às alunas um avanço sócio cultural, intelectual e principalmente ampliam suas visões, a partir de um processo educacional diferente, que não traz resquícios de um ensino colonizado e eurocêntrico, segundo reportagem do Ecoa do UOL.
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“Eu, enquanto professora de inglês, trabalhei em várias escolas tradicionais. Percebia que muitas vezes eu era a única professora preta dentro da sala de aula, nos livros não havia nada de história afro e os alunos negros eram minorias. Aos poucos, comecei a formular meu próprio material e inserir o feminismo negro nas minhas aulas e isso acarretou algumas demissões. Mas depois, pensando com uma amiga, tivemos a ideia de começar a ensinar inglês para outras mulheres negras a preços populares. E foi na sala da minha casa que comecei a dar aula para um grupo de mais ou menos 30 alunas” conta Ryane Leão, escritora, poeta e professora de línguas.
Essa vivência escancarou para ela como os negros são minorias em cursos de inglês. Com mensalidades caras e falta de representatividade, o acesso é dificultado e a permanência se torna um desafio. Quando essas pessoas observam ao redor desse ambiente escolar, não se veem representados em nenhum lugar e isso interfere muito no processo de aprendizado e às vezes leva à desistência.
“Foi preciso me observar, olhar os entornos e os contornos para saber quem estava tendo acesso a essa língua e consequentemente ocupando posição de destaque no mercado de trabalho e ingressando em um mestrado. O inglês abriu muitas portas e gostaria de levar isso para a vida de outras pessoas” compartilha a escritora e professora.
Sua trajetória pessoal, somada ao desejo de mudança, teve como fruto a Odara English School, um coletivo de educadoras pretas que ensinam a língua inglesa a partir da cultura afro para mulheres negras e com preços acessíveis. A escola surgiu há pouco mais de quatro anos, está localizada no centro de São Paulo e hoje tem mais de 250 alunas. O ambiente é de acolhimento, troca, partilha e luta.
A primeira aula na Odara é sobre os Panteras Negras. As alunas aprendem sobre sua trajetória e ideologia. Depois vão para a parte prática e criam cartazes baseados nos ensinamentos do partido. O Império Ashanti, a Mitologia Yorubá e Abayomis também são temas das aulas. Na base bibliografia, leem autores como Chimamanda Ngozi Adichie, Angela Davis, Nelson Mandela, Oprah Winfrey e mais diversos escritores negros. Por conta da pandemia, as aulas presenciais estão suspensas e ocorrendo online.
Leidy Ferreira, produtora de relacionamento da escola, diz que muitas alunas se sentem culpadas por não conhecerem a literatura do curso e justifica que existe uma intenção sistêmica para que as pessoas não saibam sobre esse tipo de conteúdo.
Ela enxerga muitas barreiras de aprendizado para as mulheres pretas nas instituições tradicionais.
“As aulas retratam uma África que se resume a tigres e leões. Além disso, o conteúdo não nos contempla, como por exemplo uma atividade de escrever uma carta para um amigo fictício que mora na Finlândia e eu no Canadá, retratando o inverno no meu país. Como eu vou fazer isso? Eu nunca viajei! Por mais que seja fictício, como vou falar sobre os flocos de neve sendo que eu nem vi neve. Na turma, sempre tem alguém na sala que já viajou e isso deixa a gente com medo do que falar”.
Na Odara, a gramática e o inglês são abordados a partir de pautas comuns de seus cotidianos como ancestralidade, cabelo e negritude.
Com informações do Uol