
Um projeto de lei apresentado pelo Poder Judiciário ao Congresso Nacional pretende driblar a regra do teto de gastos da União. A iniciativa é de autoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A proposta determina que receitas recolhidas com as chamadas custas processuais — cobradas no início da ação ou nos recursos, por exemplo —, sejam usadas pela Justiça fora do limite estabelecido pela norma.
O teto de gastos está previsto na Constituição desde 2016. A regra impede o crescimento real das despesas de todos os Poderes para controlar o desequilíbrio nas contas públicas.
De acordo com a Folha, a Justiça Federal e a do Trabalho recolheram R$576,3 milhões em custas, em 2018. Os dados constam de estudo do Departamento de Pesquisas do CNJ e foram usados por um grupo de trabalho para embasar o projeto.
Proposta
A proposta foi recebida com surpresa pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes. Internamente, eles dizem que o texto é inconstitucional, uma vez que cria uma excepcionalidade à Constituição via projeto de lei.
Além disso, a visão no governo é que, se tal instrumento fosse possível, vários semelhantes já teriam sido aprovados para driblar o teto.
De acordo com integrantes da pasta, a pressão sobre o teto é constante e projetos de lei, que demandam menos votos do que uma PEC (proposta de emenda à Constituição), seriam usados com frequência para burlar o dispositivo.
Justificativa do CNJ
O CNJ afirma que fez a proposta para uniformizar o recolhimento de custas no país. O projeto traz regras de incidência para nortear as legislações sobre o tema. Atualmente, há discrepâncias entre valores cobrados entre os estados.
As custas têm como função arrecadar recursos e também mitigar o abuso do direito de acesso ao Judiciário.
A proposta de projeto de lei foi entregue no dia 9 deste mês pelos ministros Dias Toffoli — então presidente do CNJ —, Villas Bôas Cueva e Humberto Martins — ambos do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Corrigir distorções
O CNJ diz que a proposta vai corrigir distorções e tornar a cobrança mais justa. Segundo o órgão, o pagamento é regressivo e tem peso maior sobre os mais pobres. No entanto, o artigo 23 vai além e retira os recursos do teto de gastos da União.
“As despesas realizadas pelos órgãos do Poder Judiciário que tenham fonte vinculada a receitas próprias arrecadadas não serão computadas para efeito do limite previsto no art. 107 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias [a regra do teto] “, afirma o dispositivo.
Em nota, o CNJ diz que o trecho evita “prejuízo da independência e autonomia do Poder Judiciário“.
“O dispositivo quanto à forma como as custas serão gastas visa viabilizar aos órgãos do Poder Judiciário a utilização dos recursos próprios arrecadados cuja incidência do limite da EC 95 [teto] poderia impedir”, afirma.
Investimentos
O CNJ diz ainda que o recolhimento de custas tem sustentado investimentos em tecnologia em tribunais, mas que no texto “não há destinação específica e não era do escopo definir”. Dessa forma, o dinheiro poderá bancar até salários e benefícios.
A Justiça Federal recolheu em custas R$ 136,5 milhões (1,2% das despesas), e a Justiça do Trabalho, R$ 439,8 milhões (2,3% das despesas), em 2018. Naquele ano, a Justiça Federal teve despesas totais de R$ 11,2 bilhões, e a do Trabalho, de R$ 19,2 bilhões.
Os dois ramos estão submetidos à regra do teto. Ainda segundo o estudo do CNJ, só em 2018 foram R$ 11,9 bilhões arrecadados com custas em todo o Judiciário brasileiro.
Com informações da Folha de S. Paulo