
As cidades mais competitivas do mundo estão cada vez mais dominadas por inovações que substituem recursos naturais não renováveis pelos talentos do ser humano como insumo básico das suas economias. Assim sendo, a vitalidade empreendedora e criativa das pessoas se transforma no ativo essencial que garante a competitividade das cidades e, por consequência, a qualidade de vida das comunidades no mundo globalizado.
Neste contexto, as estratégias de desenvolvimento das cidades visando posicioná-las no patamar de cidades inovadoras requer uma série de novos instrumentos que garantam a retenção de talentos, capacitação de jovens empreendedores e pessoas criativas, atração de empresários e de investimentos, diversificação da matriz produtiva, ampliação da diversidade social e fortalecimento de projetos culturais.
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Cidades inovadoras e conectadas
Empresas nascentes inovadoras, mão de obra educada e qualificada, ampla e eficiente infraestrutura de conectividade, produtividade elevada e renda média alta, bem como qualidade de vida são algumas das principais características das cidades contemporâneas desenvolvidas em todo o mundo que tem sua economia baseada principalmente em serviços de alto valor agregado.
As cidades são o habitat por excelência das classes criativas e dos empreendedores inovadores e, por isso, grandes protagonistas do desenvolvimento econômico e social no século XXI.
Para o espanhol Jordi Pardo, “no início do século XXI, uma Cidade Criativa é um sistema social, cultural e econômico no qual a criação de oportunidades, prosperidade e riqueza está baseada na habilidade de gerar valor com a força de ideias, informação, conhecimento e talento. Ela promove os elementos de um ecossistema sociocultural que é parte do sistema produtivo, no qual os centros de treinamento, informação, pesquisa, bem como as áreas tradicionais da cultura e as atividades econômicas de todos os setores interagem para gerar valor e riqueza e melhorar a coesão social, a qualidade de vida e a atratividade da cidade como um cenário econômico e vital.”
Ou seja, as cidades criativas se destacam pelas inovações urbanas e empresariais, conexões presenciais e virtuais, relevantes bases culturais e ações de longo prazo. A colaboração urbana é uma das forças mais poderosas na mudança social contemporânea porque impulsiona modelos de negócios colaborativos que requerem ambientes empresariais compartilhados, boa infraestrutura de conectividade e novas formas de financiamento. A produção dessa nova economia resulta cada vez mais em produtos e serviços intangíveis, mais altos salários e rentabilidade acima dos demais segmentos da economia.
Índice de Criatividade das Cidades
Classificados nas áreas de serviços, os segmentos da Economia Criativa – Arquitetura, Artes Cênicas, Audiovisual, Biotecnologia, Design, Editorial, Expressões Culturais, Moda, Música, Patrimônio e Artes, Pesquisa e Desenvolvimento, Publicidade, Tecnologias da Informação e Comunicação – TIC (desenvolvimento de software, sistemas, consultoria e robótica aplicados aos segmentos criativos) – são considerados de mais alto valor agregado e de maior impacto nas novas estratégias de desenvolvimento econômico e social. Eles apresentam maior capacidade de gerar empregos, principalmente entre os jovens e, se bem articulados e apoiados, são propulsores de inovação e da ampliação da capacidade produtiva do conjunto da economia.
A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP) divulgou pela primeira vez no Brasil, em 2012, o Índice de Criatividade das Cidades. O indicador tem como objetivo fornecer informações relevantes para a adoção de medidas públicas, focadas na criatividade, capazes de gerar avanços efetivos no nível de competitividade e na economia dos municípios.
Para chegar ao índice, foram considerados fatores econômicos, sociais e de potencial criativo das 50 maiores cidades do país ao longo de 2011. Este indicador confirma que as cidades com melhores condições socioeconômicas têm maior potencial para atrair e reter talentos criativos. Por outro lado, algumas cidades com grande potencial criativo entre as pesquisadas não aproveitam esta condição para alavancar o desenvolvimento econômico ou gerar melhorias em qualidade de vida e benefícios para sociedade.
A Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap) do Município de São Paulo divulgou em 2011 um estudo denominado “Economia Criativa na Cidade de São Paulo: Diagnóstico e Potencialidade” no qual demonstrou que em 2009 a Economia Criativa era responsável por 3% de todo o emprego formal da cidade e sua dinâmica de desenvolvimento era mais acelerada do que a dos demais setores. Í
Em 2013 o Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES) realizou uma pesquisa que identificou cerca de 22.000 trabalhadores formais empregados nas empresas criativas em Curitiba, sendo 3.800 da classe criativa. O salário médio dos profissionais criativos do mercado formal de trabalho da cidade foi de R$ 3,6 mil (2013), contra um valor médio de todos os setores econômicos de R$ 2,8 mil (2014).
Em outubro de 2015, a Agência Curitiba de Desenvolvimento (ACD), em parceria com o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), elaborou o primeiro mapeamento da Economia Criativa na cidade de Curitiba. O resultado encontrado em termos do número total de estabelecimentos formais criativos foi de 22.009, distribuídos em todos os bairros da cidade. Utilizando a mesma metodologia a cidade de São Paulo contava com um total de 162.400 estabelecimentos, Rio de Janeiro – 61.588, Belo Horizonte – 25.330, Porto Alegre –20.491, Brasília –20.482, etc. 3
A Rede de Cidades Criativas da UNESCO é um projeto lançado em 2004, para promover a cooperação entre as cidades que reconhecem a criatividade como um fator importante no seu desenvolvimento urbano nos aspectos econômicos, sociais, culturais e ambientais. Atualmente 246 cidades de todos os continentes fazem parte desta Rede que reconhece os seguintes campos criativos: Artesanato e Artes Populares, Artes Digitais, Design, Filme, Gastronomia, Literatura e Música. No Brasil, 10 municípios integram a Rede até o momento: Belém (PA), Florianópolis (SC), Paraty (RJ) e Belo Horizonte (MG), na gastronomia; Brasília (DF), Curitiba (PR) e Fortaleza (CE), em design; João Pessoa (PB), em artesanato e artes populares; Salvador (BA), na música; e Santos (SP), no cinema.
Políticas públicas inovadoras e parcerias público-privadas têm sido utilizadas em todo o mundo visando estimular o surgimento de projetos urbanos que sustentem empreendimentos criativos. Entre elas destacam-se: redefinições apropriadas do zoneamento urbano, revitalização de áreas e construções degradadas, fortalecimento de centros educacionais e culturais, projetos de pesquisas e de tecnologia, criação de espaços para empreendimentos criativos, galerias de arte, bibliotecas digitalizadas, salas de cinema e demais empreendimentos de audiovisual, museus, infraestrutura de conectividade, mobilidade diversificada e eficiente e áreas verdes e de lazer.
Experiências urbanas inspiradoras
Buenos Aires (Argentina)
A capital da Argentina passou por uma verdadeira revolução no transporte público, com o BRT, bicicletas públicas e muitos projetos que transformaram a cidade na última década. Mais recentemente, apesar de o país viver um momento complexo na política e na economia, a cidade elegeu a Economia Criativa, especialmente o design, para induzir o desenvolvimento de alguns bairros menos favorecidos, por meio do planejamento urbano, econômico e social de longo prazo.
Foram definidos quatro bairros, chamados de Distritos Criativos – tecnológico, audiovisual, de design e das artes – a partir de projeções de setores que já apresentavam algum peso econômico. No distrito tecnológico, por exemplo, não havia empresas de tecnologia, agora são quase 300.
A discussão geral da Economia Criativa deve fazer parte dos novos modelos e instrumentos de planejamento urbano das cidades na medida em que pode agregar simultaneamente as dimensões econômica e social, especialmente nos bairros menos favorecidos. O estudo citado acima da FUNDAP/SP demonstrou esta oportunidade para o caso da cidade de São Paulo. A experiência que vem sendo implantada em Buenos Aires também segue este modelo e por isto merece ser acompanhada.
Medellín (Colômbia)
Nos anos de 1990 Medellin viveu um ápice de violência urbana principalmente devido aos conflitos com o narcotráfico. A média de homicídios chegou a quase 7mil por ano. 4
Para reverter a situação, junto com o combate armado, vieram também os educadores que impulsionaram os projetos tecnológicos, culturais, urbanísticos, etc. A cidade passou a investir, sempre em parceria com empresas e instituições, em infraestrutura (escadas rolantes a partir dos morros, teleféricos e metrô), museus, bibliotecas informatizadas, escolas de qualidade nos bairros mais pobres, hortas comunitárias sustentáveis, projetos de arquitetura e urbanismo, etc.
Paralelamente foi realizado um programa de inovação (Ruta N) destinado a capacitação em larga escala de empreendedores em negócios digitais, Economia Criativa e biotecnologia, além de estimular sinergias entre empresas e a academia. Outros instrumentos importantes foram criados tais como aceleradoras de inovações e ideias e acesso a capital inovador. Em 2013 Medellín recebeu o título de “Cidade Mais Inovadora do Planeta”, segundo o Wall Street Journal, também graças a parcerias do governo com empresas e instituições que vêm fomentando a inovação e criando soluções para problemas clássicos da região.
Apesar de ainda terem muito a fazer as desigualdades econômica e social de Medellín estão diminuindo e o índice de homicídios caiu radicalmente. Além disso, os projetos da Economia Criativa e culturais avançam de forma sustentável, inclusive nas comunidades.