
Um grupo de trabalhadores e trabalhadoras da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) intensificou na última semana a campanha #FicaEBC. A iniciativa foi criada para sensibilizar a sociedade brasileira sobre os riscos de privatizar a estatal de comunicação pública. A Frente em Defesa da Empresa Brasil de Comunicação e da Comunicação Pública tem promovido ações pela internet para defender a companhia da agenda privatista de Jair Bolsonaro (sem partido).
EBC concretiza comunicação pública
Márcio Garoni é diretor da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), trabalhador da EBC e integra a frente em defesa da estatal. Ele conversou com o Socialismo Criativo e explicou que a EBC concretiza um dispositivo constitucional.
A Lei 11.652/2008, que criou a EBC, regulamentou o artigo 223 da Constituição. A empresa de comunicação pública não é o feito de um governo, e sim a materialização tardia do que o texto constitucional já determinava desde a promulgação, em 1988.
“A EBC é uma conquista histórica dos movimentos sociais pela democratização da comunicação. Há muito anos esses movimentos sociais brigavam por ter uma empresa pública de comunicação que pudesse ter um espaço para ser democrática e por fora dos interesses da mídia privada. A gente entende a necessidade de ter uma comunicação pública tão importante quanto a necessidade de ter uma saúde e uma educação que sejam públicas.”
Márcio Garoni
EBC segue modelo de democracias consolidadas
Garoni admite que há problemas na EBC, que são sistematicamente denunciados pelos empregados, como o aparelhamento e a censura. Ainda assim, é melhor ter uma EBC para ser melhorada do que extinguir a empresa.
Outro aspecto para o qual Garoni chama a atenção é o de que a comunicação pública não é uma invenção brasileira, mas, ao contrário, é realidade na grande maioria dos países do mundo.
Enquanto alguns segmentos buscam atacar a existência deste serviço, outros países com democracias consolidadas entendem e estimulam o papel da comunicação pública para atender ao direito à informação dos cidadãos, investir em conteúdos sem apelo comercial e pautar temas de interesse público. É o caso da BBC no Reino Unido, da RTP em Portugal, da NHK no Japão ou da PBS nos Estados Unidos.
“É curioso porque no Brasil funcionam empresas de comunicação pública de outros países, como França, Grã-Bretanha e Alemanha, financiadas por esses países, enquanto o governo atual pensa em privatizar ou extinguir a EBC.”
Márcio Garoni
#FicaEBC foi criada durante o governo Temer
A campanha em defesa da estatal de comunicação adota a hashtag #FicaEBC e foi criada durante o governo de Michel Temer diante dos riscos, já àquela época, de privatizar a empresa. No dia 16 de março, o Ministério das Comunicações anunciou a intenção de privatizar a EBC.
Para os integrantes da frente de defesa da EBC, a decisão do governo Bolsonaro de incluir a estatal no Programa Nacional de Desestatização (PND) parece ser uma resposta a setores da imprensa ligados ao sistema financeiro. A medida reproduz a lógica de dependência dos “mercados” da própria comunicação privada.
#FicaEBC tem adesão de socialistas
A campanha #FicaEBC tem a adesão de parlamentares socialistas, entre eles o deputado federal Bira do Pindaré (PSB-MA), que semana passada subscreveu o requerimento da deputada federal Luiza Erundina (PSOL-SP) para realizar audiência pública sobre a privatização da estatal. O assunto será tratado na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados, presidida pelo também socialista Aliel Machado (PSB-PR), que também declarou apoio ao debate.
Leia também: Aliel Machado e Bira do Pindaré destacam apoio a debate sobre privatização da EBC
EBC é alvo de campanhas negativas desde 2007
Desde que foi criada, em 2007, a TV Brasil e a EBC são alvos de intensas campanhas negativas e, mais recentemente, pela privatização. Os argumentos vão desde um suposto déficit que a empresa daria ao governo até o valor gasto com salários e baixa audiência de veículos.
Os trabalhadores que integram a frente em defesa da empresa apresentam esclarecimentos sobre esses ataques e se queixam de que a cobertura jornalística sobre a venda da estatal, em geral, concede espaço apenas para um lado do tema.
EBC não dá prejuízo
De acordo com a frente em defesa da empresa, a EBC não dá “prejuízo” ou “déficit”. Trata-se de uma empresa pública dependente, e não autossuficiente – como é o caso da Empresa de Correios e Telégrafos e do Banco do Brasil.
A frente argumenta que, embora a EBC arrecade recursos com patrocínios e prestação de serviços, as fontes de financiamento não servem e nunca servirão para torná-la autônoma. Afinal, a empresa não deve se tornar refém do próprio mercado para garantir ainda mais sua autonomia. Assim como ministérios e universidades não dão “prejuízo”, a EBC – da mesma forma que outras estatais dependentes, como Embrapa – também não dá.
O modelo de negócio da empresa não é inovação da EBC e ocorre no mundo inteiro. Só conseguem autonomia financeira empresas custeadas a partir de impostos, como a BBC do Reino Unido ou a RAI na Itália. Não é o caso do Brasil. Ao contrário, a EBC tem uma fonte de receita própria complementar (a Contribuição para o Fomento à Radiodifusão Pública), que, do total arrecadado, só foi reservado R$ 2,8 bilhões em todos os anos de contribuição à EBC, mesmo que quase nada tenha sido repassado à empresa (tanto por uma contenda judicial quanto por falta de vontade política dos governos).
Mídia comercial reproduz argumento privatista
Matérias na imprensa comercial reproduzem o argumento do governo e afirmam que o orçamento de R$ 550 milhões por ano é “muito”. Esses veículos ressaltam sempre valores gastos com salários.
“Não se mantém uma empresa que tem duas TVs, oito rádios, duas agências nacionais, produz conteúdo e presta serviços ao governo federal sem recursos. Tampouco se faz comunicação sem pessoas – que devem ser contratadas conforme prevê a legislação, e não fraudando a lei com contratações por pessoa jurídica (PJ).”
Frente em Defesa da EBC
A “pejotização”de profissionais de comunicação é adotada pela maioria das empresas de radiodifusão, como Band, Globo e SBT. Essa prática levou a multas milionárias da Receita Federal e problemas graves na Justiça trabalhista. É de se esperar, naturalmente, que as empresas públicas cumpram, minimamente, a lei.
Um dos principais argumentos para defender a privatização da EBC, disseminado por jornalistas da mídia comercial e no próprio governo, diz respeito ao “desempenho” da EBC. Os detratores falam em melhoria e “otimização” por conta da audiência.
“Os veículos da EBC não foram criados para disputar audiência, embora devam buscar sempre esse alcance. A TV Brasil já chegou a ser a 7ª emissora nacional e é a única aberta com programação infantil de fato. Poderia ter avançado em marcas mais efetivas, mas a falta de investimento e prioridade política dificultaram o ganho de visibilidade da empresa.”
Frente em Defesa da EBC
Agência Brasil alimenta veículos de todo o Brasil
Mesmo com a falta de apoio e desmonte recente, a Agência Brasil produz conteúdos gratuitos que abastecem milhares de grandes e pequenos veículos de comunicação. A Radioagência Nacional faz o mesmo com estações de rádio. A Rádio Nacional da Amazônia serve centenas de milhares de ouvintes nos rincões do país. Além disso, a empresa tem caráter educativo, com difusão de programas e reportagens para contribuir com a formação dos cidadãos.
Para a frente em defesa da estatal, o questionamento da privatização da EBC vai muito além de empregos – embora essa preocupação seja legítima, uma vez que muitas famílias dependem desses empregos para o próprio sustento em um país com mais de 14 milhões de desempregados.
“É necessário restabelecer informações diante de uma campanha de ataque e que esconde a relevância social da empresa. Se é fato que o governo atual vem aparelhando editorialmente e desmontando muitos programas e serviços, a saída não pode ser extinguir ou privatizar, mas sim corrigir os erros e dar a devida estrutura para que a empresa possa, de fato, cumprir sua missão constitucional de fazer comunicação pública.”
Frente em Defesa da EBC
Convite para adesão à #FicaEBC
A Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública convida cidadãos e entidades da sociedade civil para somar à luta contra a privatização ou extinção da empresa.
A campanha lançou uma carta contra a privatização da estatal. Entidades interessadas em aderir ao movimeno devem encaminhar a carta subscrita para o endereço eletrônico [email protected].