
Por Julinho Bittencourt
Foi lançado nesta sexta-feira (17), “Anjos Tronchos”, single do álbum “Meu Coco”, o primeiro de canções inéditas de Caetano Veloso desde “Abraçaço”, de 2012. A faixa aborda, entre a perplexidade e a profunda compreensão – que o compositor nega –, as reviravoltas e o pleno domínio que a revolução digital provocou e exerce na vida contemporânea.
Leia também: Adele é processada por plágio de sucesso de Martinho da Vila
“É uma canção que pensei que não ia poder fazer por inteiro, por causa do meu desconhecimento da matéria, do assunto”, diz o compositor. “Eu prometi a mim mesmo que se eu quisesse fazer uma coisa dessas, precisaria saber muito mais. Para saber mais, eu precisaria usar mais a internet, saber mais o que acontece nas redes sociais”.
“Embora eu não conheça muito a questão da tecnologia e das suas consequências, eu fiz uma canção que parece mexer em questões muito maiores do que seu autor é capaz de dominar. Tem muitas canções que tiveram resultados políticos, na formação da cabeça de gerações, de áreas da sociedade, e que não foram feitas por uma pessoa que conhecesse teoricamente a complexidade daquele assunto. Eu terminei pensando: ‘Deu para fazer uma canção que pode ser como uma dessas’”, conclui.
Modéstia de Caetano à parte, até mesmo a incompetência diante da aparente ignorância que todos nós sentimos com relação ao Vale do Silício e seus algoritmos, que passaram a enriquecer exponencialmente seus autores, habita um limite bem claro entre o que é tecnologia e o que passou a ser um novo modo de vida e comunicação.
E é exatamente aí que a canção de Caetano entra, a partir do próprio título, que apelida de tronchos, ou seja, cortados, mutilados, os anjos que, conforme ele diz “vivem no escuro em plena luz”. O compositor se refere de maneira crítica aos donos das plataformas digitais que, de acordo com ele:
No império e nos seus vastos quintais
Ao que revêm impérios já milenares
Munidos de controles totais.
Anjos já mi ou bi ou trilionários
Comandam só seus mi, bi, trilhões
E nós, quando não somos otários,
Ouvimos Schönberg, Webern, Cage, canções…
A canção remete aos grandes momentos do compositor, com palavras profusas, versos longos e reflexivos sobre a melodia quase roqueira que se alterna com um trecho lírico, sempre a lembrar que todos os sons e mundos cabem no seu universo.
O verso chave de “Anjos Tronchos” aparece no final, no momento em que, noves fora nada, o compositor se dá conta que, apesar de não dominar os segredos do algoritmo, a simplicidade se desvenda no fato de um grande sucesso mundial ser produzido dentro de um quarto por dois adolescentes: E enquanto nós nos perguntamos do início, Miss Eilish faz tudo do quarto com o irmão, conclui o compositor, se referindo ao single que a cantora e compositora norte-americana Billie Eilish lançou em 2016.
Tão contemporâneo quanto sempre foi, Caetano aparece com o que parece ser a ponta do iceberg de seu novo lançamento, esperado para o último trimestre de 2021 e há alguns meses de completar 80 surpreendentes anos, para quem se mantém tão disposto e antenado.