
Os países são poderosos não só porque têm bomba atômica ou um grande exército, mas porque exercem fascínio, admiração e atração. Por essa lógica, o Brasil, não exatamente conhecido por sua pujança militar, foi por muito tempo um “campeão do soft power” na política internacional. Em entrevista à BBC Brasil, o professor de relações internacionais da Universidade Harvard, Joseph S. Nye afirma que “sob Bolsonaro, o Brasil perdeu muito de seu soft power”.
O estadunidense foi responsável por cunhar a expressão que o tornaria mundialmente famoso, ao batizar de “soft power” o poder de nações de liderar e atrair outros países por sua influência cultural e não por seu poderio militar ou econômico.
Durante o governo de Jair Bolsonaro, que chega ao fim em dezembro, a “erosão” da popularidade do país causada por ele se deveu especialmente à agenda pouco ambientalmente responsável do Brasil durante a gestão.
A boa notícia para o Brasil, segundo Nye, é que a perda é reversível. “Quando Lula diz que o Brasil vai levar a Amazônia a sério, acho que isso é algo com potencial para restaurar o soft power brasileiro”, diz Nye, referindo-se ao discurso que o presidente eleito fez em novembro, na Cúpula do Clima da ONU, no Egito.
Ex-conselheiro para assuntos de segurança no governo Bill Clinton e respeitado também por republicanos, Nye compara a deterioração da imagem do Brasil no exterior sob Bolsonaro com o que aconteceu com os EUA durante a gestão do republicano Donald Trump. Para ele, a invasão ao Capitólio, por exemplo, foi um duro golpe no soft power estadunidense.
Nye diz que apesar de Trump e Bolsonaro terem se dado bem pessoalmente, isso não se traduziu em relações proveitosas para os dois países. “Espero que (Joe) Biden e Lula sejam capazes de reaquecer essa relação”, diz.
Retorno da relação Brasil-EUA após Bolsonaro e Trump
O atual presidente dos EUA enviou seu conselheiro de segurança, Jake Sullivan, para se reunir com Lula e o senador Jaques Wagner (PT) nesta segunda (5). Na reunião, Sullivan deve fazer um convite direto ao presidente eleito para que vá a Washington ainda antes da posse, em 1º de janeiro, se encontrar com Biden.
“Sullivan discutirá como os EUA e o Brasil podem continuar a trabalhar juntos para enfrentar desafios comuns, incluindo mudanças climáticas, segurança alimentar, a promoção da inclusão e da democracia e a gestão da migração regional”, afirmou em nota a Casa Branca.
O petista demonstrou disposição de embarcar para os EUA pouco depois de sua diplomação pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), marcada para a próxima segunda-feira (12).
“Temos muita coisa para conversar, os EUA padecem de uma necessidade democrática tanto quanto o Brasil. O estrago que o Trump fez na democracia americana é o mesmo estrago que o Bolsonaro fez no Brasil. O pensamento do Trump, o comportamento dele, é o mesmo do nosso presidente aqui. Então penso que vamos conversar política, quero conversar relação Brasil-Estados Unidos, quero conversar o papel do Brasil na nova geopolítica mundial, quero falar com ele da guerra da Ucrânia, que não há necessidade de ter guerra, além dos assuntos que obviamente ele quiser conversar comigo”, disse Lula, na última sexta (2).
Entre as pautas que Lula deve defender está a reforma do Conselho de Segurança da ONU, que também conta com apoio explícito de Biden. Para Nye, no entanto, o pleito de ambos não é “realista” porque membros com poder de veto devem barrar a iniciativa.
O especialista questiona ainda a intenção de Lula de fortalecer o BRICS, bloco que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. “(O BRICS) É uma conveniência diplomática, mas não será um motor da política mundial”, opina. Para Nye, o foco do Brasil deveria ser a América Latina. “Um agrupamento na região seria muito mais natural para o Brasil liderar”.
Reconstrução do país após (des)governo Bolsonaro
O mandato de Jair Bolsonaro afetou todas às áreas brasileiras, criando desacelaração e desmontes em setores fundamentais do país. Nye afirma que, apesar do resultado das eleições, o Brasil ainda sofrerá, à longo prazo, com os resultados da gestão de extrema-direita.
Apesar disso, o professor não acredita que o país tenha se tornado uma “pária” para o mundo. A declaração entra em discordância com uma fala do ex-chanceler de Bolsonaro, Érnesto de Araújo, em 2020. O ministro afirmou que se atuação da diplomacia do país “faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária”.
“Eu não acho o Brasil um pária nesse sentido. O Brasil era visto até um dado momento como uma liderança em vários assuntos na política mundial. E isso foi perdido.”
Contudo, Nye afirma que o país pode recuperar o “soft power” com Lula. “Acho que a mudança de posição do Brasil sobre a Amazônia, anunciada por Lula (na COP), é uma grande fonte de soft power. A questão das mudanças climáticas tem se tornado cada vez mais importante, não só porque a ciência nos diz isso, mas também porque as gerações mais novas estão mais preocupadas com o assunto”, disse.