
O governo de Jair Bolsonaro (sem partido) ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra decretos de governadores do Distrito Federal, Rio Grande do Sul e Bahia, que estabeleceram medidas restritivas no combate à pandemia da Covid-19.
No tom que costuma adotar nesses posicionamentos, o presidente Jair Bolsonaro anunciou a formalização da ação por meio de uma live nas suas redes sociais e disse que muitos desses decretos consistem em “verdadeiros abusos”.
Sem citar nomes, Bolsonaro também afirmou que alguns governadores e prefeitos são “projetos de ditadores”. “Toque de recolher é estado de sítio e estado de sítio só uma pessoa pode decretar. Essa pessoa sou eu”, destacou. O argumento do presidente é que a ADI é uma forma de dar satisfação “à parcela da população que tem feito manifestações contra as medidas restritivas adotadas por governos estaduais e prefeituras”.
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A fala do presidente repercutiu mal no mundo jurídico. Para a constitucionalista e mestre em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Vera Chemim, a comparação entre os decretos e o estado de sítio demonstra uma “aberração”, além de “total ignorância com relação a atual conjuntura de crise sanitária e consequente incompetência”.
“Essa ADI demonstra total ignorância por parte do presidente com relação à atual conjuntura de crise sanitária e consequente incompetência”, disse Vera. “A gente sabe que, pelo que a gente vê acontecendo no Brasil, parece que a nossa liberdade e a nossa democracia não estão tão sólidas assim, devemos nos preocupar com isso”, acentuou, para acrescentar que a ação tem o objetivo de “restabelecer a ordem e tornar os poderes da República cada vez mais harmônicos”.
‘Aberração’
Segundo a jurista, o fato de a própria Lei 13.979/2020 (que dispõe sobre as medidas para o combate à crise da Covid-19), ter sido invocada na ação, já mostra a contradição dessa ADI. Isso porque tal legislação prevê que as autoridades de cada ente federativo (União, estados e municípios) são competentes para operacionalizar as medidas que forem necessárias para proteger a saúde da população.
Também o professor de Direito Constitucional da Universidade de São Paulo (USP) Elival Ramoso avaliou que decretos administrativos devem, sim, se reportar às leis, mas que não há qualquer necessidade de que eles passem pelos Legislativos estaduais, justamente por já estarem autorizados pela lei federal, editada pelo próprio presidente.
“Não faz nem sentido o presidente da República lembrar só agora que deveria ter editado lei estadual própria para fundamentar os decretos, um ano depois de ter saído a lei federal”, observou Ramos
O especialista em Direito Administrativo Rafael Valim foi outro que considerou “equivocada” a pretensão de Bolsonaro, “na medida em que os entes federativos ostentam competência para implementar essas medidas restritivas, como, aliás, já decidiu o STF”.