
O ataque da polícia pernambucana contra manifestantes pacíficos do ato contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no Recife (PE), sábado (29), resvala para além do Palácio das Princesas e pode ser rastreado até o Palácio do Planalto. O episódio deixa à mostra a crescente “bolsonarização” das forças de segurança e é uma ameaça preocupante à democracia.
Os protestos realizados em todas as capitais, 123 cidades brasileiras, além de 14 cidades de outros países, pediram o impeachment de Bolsonaro, auxílio-emergencial de R$ 600 e vacina anti-covid para todos e todas, entre outras pautas.
Os atos anti-Bolsonaro ganharam grande repercussão nas redes sociais e na imprensa internacional. No Recife, os ataques da Polícia Militar a manifestantes acabou sendo o tema mais comentado entre os políticos, que cobraram a apuração do episódio.
Governo de Pernambuco não autorizou operação
O governador Paulo Câmara (PSB) e a vice-governadora Luciana Santos (PCdoB) reagiram no sábado. Luciana garantiu que a ordem da operação policial não partiu do governo.
Câmara anunciou o afastamento do comandante e dos policiais envolvidos na operação. No domingo, comunicou assistência às vítimas e que acionou a Procuradoria Geral do Estado para, em conjunto com a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SJDH), iniciar um processo de indenização dos feridos.
“Bolsonarização” enfraquece democracia
Na avaliação de Adriano de Freixo, professor do Departamento de Estudos Estratégicos e Relações Internacionais do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (Inest-UFF), a ascendência de Bolsonaro sobre as polícias militares do país deve ser motivo de preocupação para a democracia brasileira.
Freixo é autor do estudo Os militares e o governo Bolsonaro, entre o anticomunismo e a busca pelo protagonismo, das Edições Zazie, em que usa o termo “bolsonarização” para explicar o fenômeno.
Em entrevista a CartaCapital, o professor aponta a tentativa de dar mais autonomia às polícias como consequência de demandas de setores das corporações que são alinhadas ao presidente.
O Congresso se prepara para votar dois projetos de lei orgânica das polícias civil e militar que restringem o poder de governadores sobre braços armados dos Estados e do Distrito Federal.
As propostas trazem mudanças na estrutura das polícias, como a criação da patente de general, hoje exclusiva das Forças Armadas, para PMs, e de um Conselho Nacional de Polícia Civil ligado à União.
“Aumentar o grau de autonomia das polícias militares, esvaziando o poder dos governadores, é complicado e resultado da demanda de setores que são identificados com o presidente. A bolsonarização da polícia é fator de preocupação maior do que nas Forças Armadas, porque essas últimas não são homogêneas. Dentro do Exército, a bolsonarização é maior do que na Marinha e Aeronáutica, que têm uma postura de maior distanciamento.”
Adriano Freixo
À Folha de Pernambuco, o cientista político pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Antônio Lucena, enxerga “com preocupação” a tentativa de se “politizar” as Forças Armadas como bandeira do bolsonarismo.
“Essa coisa da politização das forças armadas, de polícias, que é o que o bolsonarismo quer fazer. Então é algo que realmente preocupa porque, pelo que tudo indica, a ordem não veio do governador.”
Antônio Lucena
Lucena observa que nas manifestações pró-presidente a PM protege os manifestantes, como ocorreu no Rio de Janeiro e também na capital pernambucana nos atos do dia 1o de maio. Apenas as manifestações contrárias a Bolsonaro têm esse tipo de reação violenta das polícias.
“Isso inclusive pode ser utilizado como um gatilho para afirmar que eles fazem quebra-quebra, entre uma série de outras coisas. Mas a polícia foi que fez a primeira ação violenta e bruta”, completou Lucena.
“Bolsonarização” das PMs
Nas redes sociais, policiais militares e militantes de extrema-direita tentam, desde a noite de sábado, desmentir vídeos, fotos e relatos de milhares de testemunhas na tentativa de emplacar a versão de que eles estavam tentando “evitar aglomerações” e conter uma suposta “baderna” protagonizada pelos participantes do protesto contra Bolsonaro em Recife.
Por meio de seus perfis pessoais e de perfis não-oficiais de seus batalhões, postavam comentários de que os policiais agiram para “manter a ordem” e revidaram apenas para que não houvesse “depredação do patrimônio público”.
Em março de 2021, a morte do policial militar Wesley Soares Góes, baleado por equipes de sua corporação após passar horas gritando palavras de ordem e atirando para o alto e contra agentes em Salvador (BA), provocou consternação na PM baiana e uma reação política imediata.
Nas redes sociais, parlamentares bolsonaristas incitavam os agentes a descumprirem ordens do governador Rui Costa (PT), parte da campanha dos apoiadores do presidente contra as medidas de isolamento social determinadas pelo Governo estadual para conter a pandemia.
A presidenta da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara Federal, Bia Kicis (PSL-DF), e o deputado estadual Soldado Prisco (PSC-BA) usaram o episódio para incitar um motim na Polícia Militar (PM) da Bahia.
O episódio na Bahia, e agora em Pernambuco, se soma a ações coordenadas que também já ocorreram no Ceará, quando um motim da PM, em fevereiro de 2020, deixou, em 13 dias, um rastro de 312 mortes, entre homicídios e latrocínios.
Em agosto de 2020, estudo feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em parceria com a empresa de inteligência de dados Decode, mostrou que a adesão ao bolsonarismo é relevante sobretudo entre os policiais militares. A pesquisa revelou que 41% dos PMs de baixa patente (soldados, cabos, sargentos e subtenentes) interagem com o grupo político do presidente Bolsonaro.
Bolsonarismo nas Forças Armadas
O espírito bolsonarista também está arraigado nas Forças Armadas. A presença de militares da ativa do Exército, Marinha e Aeronáutica em órgãos do governo cresceu 33% durante a gestão de Bolsonaro. É mais do que o dobro do que havia no decorrer das duas últimas décadas depois do fim da ditadura. Esse número tão expressivo de militares em gabinetes da Esplanada dos Ministérios é um sintoma de enfraquecimento da democracia.
Basta acompanhar o caso do general da ativa e ex-ministro da Saúde e seu ato de insubordinação e indisciplina por subir a um palanque ao lado do presidente da República.O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello é o exemplo vivo e preocupante desse fenômeno do bolsonarismo infiltrado nas Forças Armadas, assim como nas polícias.
Com informações do Marco Zero, Folha de S.Paulo, Carta Capital e Folha de Pernambuco