
A interferência do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no comando da Petrobras, além de prejuízos de mais de R$ 100 bilhões, o fez perder o apoio de parte do empresariado e do mercado financeiro. Essa é a leitura de Felipe Miranda, sócio-fundador da casa de análise de investimentos Empiricus.
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De acordo com o representante da empresa especializada em publicação de conteúdo financeiro, o mercado financeiro e de capitais expressou descontentamento com as atitudes antiliberais do capitão. Em entrevista à Folha de S.Paulo, Miranda avaliou que o episódio da Petrobras pode desencadear efeitos econômicos capazes de impedir a reeleição do presidente.
Ainda assim, com cautela, o mercado financeiro aposta na permanência no governo do ministro da Economia, Paulo Guedes, como salvaguarda para não esfacelar de vez a agenda neoliberal e reformista. Miranda avalia que o ministro da Economia fica na Esplanada para impedir uma “explosão” do país.
Reação após intervenção na Petrobras
Ao longo de mais de dois anos, o mercado financeiro não reagiu diante das inúmeras contradições de Bolsonaro. Entre várias polêmicas, o presidente foi protagonista do boicote às medidas sanitárias e de isolamento social para conter o avanço da pandemia da Covid-19 no país.
Interferir na governança da Petrobras parece ter sido a gota d’água. Agora, o mesmo mercado que apoiou a eleição do atual chefe do Executivo, afirma que sempre desconfiou da conversão liberal do ex-militar.
“O mercado não foi tão ingênuo, mas acho que a quantidade de intervencionismo que está havendo agora e o medo de uma guinada 100% intervencionista e de uma ruptura de regime, ninguém acredita muito mas, opa: ‘talvez isso aqui tenha que entrar na conta.”
Felipe Miranda
“Ingerência política” de Bolsonaro
Na entrevista, Miranda avaliou a ação de Bolsonaro na Petrobras como muito ruim. Para ele, a medida mostrou ingerência política. Ele citou a Lei das Sociedades Anônimas e das estatais, que blindam interesses políticos e exigem que os administradores atuem pelo melhor interesse da companhia.
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O analista de mercado questionou de que forma os conselheiros da estatal podem justificar a troca de presidente por estar em desacordo com o interesse do governo. Ele prevê, inclusive, que há espaço para judicialização. Chamou ainda atenção para o desconforto de Bolsonaro com a política de preços da companhia e teme que haja intenção em modificá-la.
Sobre a situação das estatais em geral, Miranda alerta que todas passaram a ser alvo do populismo de Bolsonaro. Ele pontuou que há um temor do mercado de que também ocorram trocas no comando do Banco do Brasil e no setor elétrico.
“Todos estão sob alvo. É muito complicado pensar em melhora de eficiência. E também entra a questão mais macro, como a política liberal, reformista, sobre como dar uma trajetória crível para a nossa dívida [pública]. Essa deveria ser a sinalização.”
Felipe Miranda
“Dominó trágico e inflacionário”
Miranda teme que a medida de Bolsonaro desencadeie um processo que se retroalimenta. Ao interferir na estatal, o presidente faz com que o dólar suba e, com a paridade internacional, esse aumento forçará novos aumentos de preço. A alternativa é que o governo segure a disparada da moeda estrangeira na marra.
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Só que, comentou Miranda, esse tipo de intervenção causa um efeito dominó trágico e inflacionário. Ele explicou que os efeitos do tabelamento de preço são conhecidos. Como foi quando o [ex-ministro da Fazenda Joaquim] Levy soltou a inflação.
“Não adianta esperar outra coisa. Ou você vai quebrar a Petrobras ou, uma hora, vai ter que soltar o preço. Aí a inflação vem ali na frente. Tem o efeito sobre o dólar, que também é inflacionário, tem a disparada do juro longo, que vai jogar a economia para baixo. É uma tragédia do início ao fim.”
Felipe Miranda
Miranda admitiu que o mercado já havia aterrissado na realidade ao compreender que a agenda neoliberal não caminharia de forma muito incisiva em grandes reformas. A despeito de um ganho aqui e outro acolá, como a autonomia do Banco Central e o marco do saneamento, persiste o ceticismo quanto a uma reforma tributária e administrativa.
O cenário desenhado pela crise deflagrada com a intervenção da Petrobras traz dois problemas novos. O primeiro, a volta do risco de intervenção, de discursos como ‘o petróleo é nosso’. O segundo, o retorno do intervencionismo e de uma política populista.
Chances reduzidas de eleição
A agenda populista de Bolsonaro é vista por Miranda como um risco de o presidente não se reeleger. Ele pontua que a chance de Bolsonaro perder a eleição de 2022 aumentou de sexta-feira para cá. O analista avaliou que uma guinada desse tipo o prejudica. Afinal, foi eleito com o apoio de parte do empresariado e do mercado financeiro.
“No momento em que ele faz o que fez, ele perdeu o apoio de parte do empresariado e do mercado financeiro. Então, fica cada vez mais dentro de uma ala ideológica e de uma camada que vai ser diretamente beneficiada por esse populismo.”
Felipe Miranda
Miranda comenta que a percepção de risco do brasileiro é a taxa de câmbio e que o dólar segue subindo. A analista aposta que se houver mais medidas populistas como a intervenção na Petrobras, o dólar explode. Isso gera inflação e destrói as camadas mais baixas.
“Então, parece eleitoreira essa decisão, mas ela acaba dando a volta. Dólar dispara, inflação dispara, juro dispara, economia mergulha. E como é que você é eleito? Sem apoio do mercado financeiro, sem apoio do mercado de capitais. O Lula se elegeu quando ele veio para o centro. Os discursos muito populistas e muito radicais dos dois lados não me parecem ter chances tão grandes. O populismo talvez faça ele perder a eleição, porque a inflação vai galopar. Acho bem complicado.”
Felipe Miranda
Com informações da Folha de S.Paulo