
Se tivéssemos um governo de respeito, exigiríamos a devolução dos impostos não pagos, em troca da manutenção dos 5 mil postos de trabalho fechados com o fim das operações da Ford no Brasil, enquanto o país vive um recorde de desemprego. Atualmente, já são 14,1 milhões os brasileiros entregues à própria sorte.
Depois de décadas usufruindo, inicialmente de uma reserva de mercado para multinacionais proporcionada por Juscelino Kubistchek, e depois de bilhões de dólares em renúncias fiscais, a Ford dá uma solene ‘banana’ para a economia brasileira e fecha suas três fábricas no Brasil. A última delas na Bahia, onde além do terreno, recebeu toda espécie de favores fiscais e de mercado.
Para dimensionar as perdas, apenas no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), quando uma Medida Provisória foi aprovada especialmente para favorecer a companhia que iniciava a operação na Bahia, a renúncia fiscal chegou a R$ 180 milhões por ano. Ao todo, desde 1999, a Ford recebeu cerca de R$ 20 bilhões em incentivos fiscais, de acordo com estimativas divulgadas pela própria Receita Federal.
O fechamento da Ford simboliza bem o ocaso da indústria 2.0. no Brasil e talvez o início de uma recessão estrutural sem precedentes.
Henri Lefebvre escreveu na década de 60 em seu livro O Direito à Cidade, que o automóvel era o “objeto-rei do capitalismo”, tamanha a centralidade e a grande cadeia produtiva que se desenvolvia em torno da fabricação de automóveis. Mais do que isso, tal como aconteceu no Brasil, cidades foram redesenhadas a partir do interesse da indústria automobilística.
O golpe militar de 1964 fez o favor de desmantelar a nossa navegação de cabotagem e nosso sistema ferroviário, para favorecer o modelo rodoviário, muito mais caro e demandante de obras públicas para funcionar plenamente.
E agora a Ford puxa debandada da indústria automobilística. Certamente, conta com a subserviência do “Chicago Boy“, Paulo Guedes, para favorecer a importação de seus automóveis fabricados na Argentina.
Houvesse o mínimo de dignidade nesse governo de Jair Bolsonaro (sem partido), seus membros exigiriam da Ford a devolução dos bilhões de reais ou dólares economizados em impostos não-pagos e repassados à empresa em formato de renúncia fiscal nos sucessivos governos de FHC, Lula, Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro.
Todo este montante, cabe salientar, é dinheiro do contribuinte, do trabalhador brasileiro que a Ford embolsou em um projeto que supostamente garantiria empregos a trabalhadores do país.
*Domingos Leonelli é ex-deputado federal, atualmente presidente do Instituto Pensar e coordenador do portal Socialismo Criativo.