
Após 12 anos consecutivos no poder, Benjamin Netanyahu perdeu o posto de primeiro-ministro de Israel neste domingo (13). Naftali Bennett é o novo premiê. Isso foi possível graças a uma ampla coalização que uniu nacionalistas judeus de direita a políticos árabes-israelenses.
Em 2 de junho, um dos principais opositores de Netanyahu, Yair Lapid, conseguiu formar a coalização ao obter o apoio de Bennet, que assumiu o posto no lugar de Netanyahu. Lapid é um político centrista e Bennet, de direita. A decisão foi confirmada pelo Knesset, nome em hebraico do Parlamento israelense, que aprovou a aliança.
Quem é Netanyahu
Um dos políticos mais proeminentes de Israel, Netanyahu se tornou o premiê com maior tempo de mandato na história de Israel. Ele governou o país entre 1996 e 1999 e, dez anos depois, retornou ao poder, de onde saiu apenas neste domingo (13).
A defesa do estado judaico e das ocupações israelenses nos territórios palestinos aliados aos duros ataques contra a facção Hamas, que comanda a Faixa de Gaza, conseguiam unir militares seculares e judeus ortodoxos em torno de Netanyahu. Posicionamentos nacionalistas que agradavam da direita ao centro israelense que o mantiveram no poder durante tanto tempo.
Início do impasse em Israel
Os sinais de que a situação política em Israel era de crise ficaram mais fortes no fim de 2018 com uma cisão na aliança pró-Netanyahu. Essa ruptura ocorreu principalmente por parte da ala mais nacionalista e militarista do governo. Os principais motivos foram a trégua aos palestinos, anunciada em novembro de 2018 pelo governo israelense, que se enfrentavam na Faixa da Gaza.
Somado a isso, o descontentamento com ala religiosa do governo, que queria isentar do serviço militar obrigatório os judeus ortodoxos que estudam a religião. O estopim para a crise foi a saída do então ministro da Defesa, Avigdor Lieberman. Antes um braço direito de Netanyahu, o político direitista pediu para deixar o cargo após a trégua com os palestinos.
Com isso, em dezembro de 2018, a coalizão governista foi formalmente desfeita e o governo teve de convocar novas eleições. Eles ocorreriam normalmente em novembro do ano seguinte, mas a decisão de dissolver o Parlamento antecipou essa votação para abril de 2019.
Quatro votações em dois anos
Os israelenses foram às urnas em quatro ocasiões em menos de um ano: em abril de 2019, setembro de 2019, março de 2020 e março de 2021. As eleições mostraram o tamanho da fragmentação política em Israel. Nenhum partido conquistou, sozinho, as 61 cadeiras para controlar o Parlamento, que tem 120 assentos, nas quatro eleições ocorridas entre 2019 e março de 2020.
Nas três primeiras votações, os resultados foram muito parecidos: o Likud (partido de Netanyahu) e o Azul e Branco (de Benny Gantz) ficaram empatados ou com pouquíssima diferença no número de assentos conquistados.
O presidente de Israel, Reuven Rivlin — que tem o papel cerimonial de dar ao líder do partido mais bem sucedido na eleição a tarefa de montar uma coalizão governista, — convocou Netanyahu para formar alianças. Porém, o primeiro-ministro não conseguiu fechar acordos e perdeu prazos, levando a novas eleições.
Sem ministro da Defesa, sem coalização
O problema para o premiê é que, sem o ex-ministro da Defesa Avigdor Lieberman, Netanyahu não conseguia conquistar apoio dos 61 parlamentares necessários para uma maioria. Ao mesmo tempo, Lieberman — de linha nacionalista de direita — não demonstrava apoio a Gantz nem a outros partidos para formar uma coalizão contra o governo. Com isso, o Parlamento se via obrigado a convocar novas eleições.
O impasse pareceu ter fim em março de 2020, quando Gantz e Netanyahu concordaram em unir forças para enfrentar a pandemia do coronavírus e não perpetuar o impasse político em Israel. A intenção era que os dois se revezassem no cargo de primeiro-ministro, começando por Netanyahu.
Mas a ampla aliança não vingou, e Gantz rompeu a coalizão. Entre as razões apontadas pelo rival de Netanyahu estão divergências sobre o plano de anexação de parte da Cisjordânia, falta de um plano de orçamento de dois anos, e as tentativas de Netanyahu de escapar dos tribunais, que o julgam por corrupção.
Novas eleições outra vez
Mais uma vez sem governo, o Parlamento israelense marcou novas eleições para março de 2021. A fragmentação se repetiu, mas o polo anti-Netanyahu viu outros nomes tomarem a frente das negociações entre opositores: o centrista Yair Lapid e o nacionalista Naftali Bennett.
Assim como nas outras três vezes, Netanyahu foi convocado para formar uma maioria com outros partidos. E, novamente, não conseguiu. Assim, o presidente Rivlin chamou Lapid, segundo colocado, para tentar uma aliança.
De início, Naftali Bennet se recusou a apoiar Lapid. Embora não tenha chegado a declarar apoio ao ex-aliado Netanyahu, o direitista não via com bons olhos a formação de um governo com lideranças mais ao centro e grupos árabes-israelenses.
Tudo se encaminhava para uma quinta eleição. Porém, a poucos dias do fim do prazo, Lapid e Bennett anunciaram a improvável aliança. Uma foto em que os dois líderes e o principal representante de um dos partidos árabes assinam um acordo se tornou o símbolo dessa frente ampla contra Netanyahu. Dessa forma, o presidente Rivlin formalizou o anúncio dessa coalizão, e o Knesset autorizou a formação do novo governo.
As acusações contra Netanyahu
Agora fora do cargo de premiê, Netanyahu precisará enfrentar os tribunais pelas acusações de suborno, fraude e quebra de confiança.
Ele aceitou US$ 264 mil em presentes de magnatas, incluindo um produtor de Hollywood; negociou acordo com um jornal para obter uma cobertura mais favorável para o governo, o que incluiu legislação para retardar o crescimento de um jornal rival; e por conceder favores regulatórios à principal empresa de telecomunicações israelenses, também em troca de uma melhor cobertura sobre o governo.
O julgamento foi retomado em abril e deve se estender por semanas. Netanyahu nega todas as acusações. Os escândalos fizeram centenas de pessoas saírem as ruas no ano passado em protesto contra Netanyahu. Opositores exploraram as acusações para minar a popularidade do premiê durante os períodos eleitorais, e, ao deixar o governo, Benny Gantz mencionou a corrupção como uma das razões para romper a aliança formada meses antes.
Revezamento no cargo
Com a confirmação pelo Parlamento, vale o acordo dos partidos dessa nova aliança governista, que estipulou que Naftali Bennett fica como primeiro-ministro nos 2 primeiros anos. Ele será substituído por Yair Lapid nos 2 últimos anos do mandato.
Nesse início de mandato, eles terão de escalar o gabinete — tarefa que não deverá ser fácil, uma vez que trata-se de uma coalizão de grupos muito distintos.
A questão que fica é se essa ampla e diversificada aliança vai se sustentar pelos próximos anos. O governo de Netanyahu se desfez graças — também — a divergências internas, de partidos que não concordavam em pontos chaves como o serviço militar obrigatório.
O novo governo já deverá assumir em um momento tenso com os palestinos. Confrontos em maio deixaram dezenas de mortos. E enquanto Bennett se opõe a tréguas com o Hamas e não vê com bons olhos a ideia da formação de um Estado Palestino, outros componentes da coalizão adotam postura mais pós-palestina.
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Essa divisão pode ser vista dentro das cidades de Israel, que registraram confrontos antes considerados raros entre israelenses árabes e judeus. Assim, o desafio para essa coalizão será a manutenção de uma unidade mesmo diante de divergências dos grupos tão distintos que compõem a aliança.
Isolamento de Bolsonaro no mundo aumenta
Depois de apostar todas as fichas em um alinhamento pessoal, político e ideológico com o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, a quem chegou a dizer “eu te amo” nos corredores da Assembleia Geral da ONU, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o Itamaraty agora tentam reconstruir seu relacionamento com um país liderado por alguém radicalmente diferente — o presidente democrata Joe Biden.
O mesmo acontece agora com a saída de Netanyahu.
Além dos esperados reflexos na política internacional, aqui o presidente brasileiro está novamente órfão de um de seus principais padrinhos políticos internacionais. Após investir em uma intensa relação de elogios e apoio ao ex-premiê de Israel, a quem chegou a tratar como “irmão”, o presidente brasileiro agora se vê “mais isolado do que nunca” no tabuleiro político internacional, segundo analistas estrangeiros ouvidos pela BBC News Brasil.
“Esse é o problema de ter uma política externa que não é uma política de Estado, mas uma política partidária e ideológica”, avalia o professor Christopher Sabatini, pesquisador sênior para América Latina da Chatham House, instituto real de pesquisa mais prestigiado do Reino Unido. “Antes de você se dar conta, seus aliados podem sair do cargo e você sobra sozinho.”
Relação menos amigável
Para o historiador Federico Finchelstein, chefe do departamento de História e do programa de Estudos Latinos Americanos da New School, em Nova York, a intimidade mostrada publicamente entre os dois líderes, a partir de agora, deve acabar. “É cedo para saber o que a nova coalizão fará em Israel, mas devemos esperar uma relação menos amigável, e uma relação baseada em geopolítica, em vez de ideologia”, aponta.
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Para Christopher Sabatini, “construir uma aliança com o Brasil não vai ser uma prioridade do governo de coalizão israelense”. “Isso era uma política muito própria e pessoal de Netanyahu”, diz. Na avaliação de Sabatini, que até há pouco tempo também dava aulas sobre América Latina na Universidade de Columbia, “Bolsonaro trocou a diplomacia de Estado profissional do Brasil por uma visão pessoal e limitada”.
“Ele acaba sendo refém de sua própria falta de tolerância e de moderação: basta se lembrar dos comentários dele sobre a esposa do presidente (francês Emmanuel) Macron. Um presidente não pode fazer isso.”
Sexismo de Bolsonaro custa caro ao Brasil
Em agosto de 2019, um seguidor de Bolsonaro fez comentários sexistas comparando as duas primeiras-damas. “Agora entende por que Macron persegue Bolsonaro?”, escreveu um homem sob uma foto dos dois casais. “Não humilha, cara”, replicou o chefe de Estado brasileiro, criando novo constrangimento internacional.
Finchelstein, especialista em radicalismo e populismo, diz não se surpreender com o revés enfrentado agora por Bolsonaro ao perder seu aliado pessoal no Oriente Médio.
“O que eu posso dizer? É muito triste. Mas é triste para os brasileiros. Eu acredito que as mulheres brasileiras devem estar envergonhadas do presidente”, disse Macron sobre os comentários de Bolsonaro sobre a primeira-dama francesa, Brigitte Macron.
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“A situação mostra a falta de preparação da política internacional de Bolsonaro para uma situação de perda de seus pares autoritários”, avalia. “Esse característica, que também aparece na má condução e falta de planejamento sobre a pandemia no Brasil, se baseia na simples torcida pelo que pode acontecer, e não a partir de dados concretos e reais.”
Para Sabatini, “o Brasil já está isolado” e o novo governo israelense aprofunda o problema.
“Bolsonaro já está fora de compasso na maior parte da sua própria região e agora os únicos governos com quem ele pode contar como aliados são Turquia, Hungria e Polônia – nenhum deles exatamente estáveis – e Índia. E ele vai ficar mais e mais isolado globalmente”, pondera.
Finchelstein concorda e questiona: “Aliás, quão importante é a Hungria para os interesses geopolíticos brasileiros?”.
Com informações do G1 e da BBC