
Publicado nesta terça-feira (22), a quarta edição do relatório “Cumplicidade na destruição IV — Como mineradoras e investidores internacionais contribuem para a violação dos direitos indígenas e ameaçam o futuro da Amazônia”, revela devastação recorde na Floresta Amazônica com uma área total de 125 km² de floresta destruída pela mineração. A marca representa um crescimento de 62% a mais do que a registrada em 2018, ano anterior ao governo de Jair Bolsonaro (PL). O documento é resultado de uma parceria entre a ONG Amazon Watch e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e aponta oito mineradoras como as principais responsáveis por essa cadeia de destruição da Amazônia.
As canadenses Belo Sun e Potássio do Brasil, operadas pelo banco canadense Forbes & Manhattan (F&M), estão entre as que mais avançam sobre as terras indígenas brasileiras desde 2020. São empresas que lideram e financiam “a corrida pelo roubo dos recursos minerais com o aval do atual governo brasileiro”, destaca o documento, que também aborda o papel da indústria da mineração nas mudanças climáticas e na devastação da biodiversidade brasileira e expõe os impactos socioambientais da atividade sobre povos indígenas e suas terras.
Entre as mineradoras citadas estão, ainda, Vale, Anglo American, Mineração Taboca/Mamoré Mineração e Metalurgia (do Grupo Minsur), Glencore, AngloGold Ashanti e Rio Tinto. De acordo com o levantamento, essas companhias possuem pedidos ativos sobrepostos a Terras Indígenas no Sistema Nacional de Mineração e histórico de impactos sobre esses territórios, em especial, na Amazônia. Além de vínculos com corporações financeiras internacionais.
Em nota, as instituições autoras destacaram que o relatório surge após um ano de lutas históricas dos povos indígenas do Brasil para barrar os retrocessos contra os direitos dos povos indígenas e o avanço das forças econômicas que querem transformar esses territórios “em áreas de exploração e lucro”. Pontua ainda que essas mineradoras e investidores internacionais contam com o apoio do governo Bolsonaro, aliado declarado do agronegócio, da indústria da mineração, do garimpo e da extração ilegal de madeira.
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“A mineração é uma atividade primária, que tem raízes ainda no princípio da invasão colonial e, até hoje, segue trazendo morte e devastação ao meio ambiente e aos povos indígenas. Ela destrói os territórios, envenena as águas e tudo que depende delas, e devasta as comunidades em seu entorno”, ponderam. Guiada pela lógica dos lucros acima da vida, a mineração industrial em larga escala amplia o momento atual de crise climática e ganha cada vez mais espaço com o chamados PLs anti-Amazônia, em tramitação no Congresso Nacional.
Por isso, a Amazon Watch e APIB fazem um apelo à essas empresas de reposicionamento diante do cenário de degradação e pede que a atividade fique fora das terras indígenas e áreas protegidas. “No momento em que o Congresso brasileiro discute projetos de lei como o PL 191/2020, que abre os territórios indígenas para a mineração e outras atividades extrativas, e o PL 490/2007, que muda as regras para demarcações de terras indígenas, todo o setor mineral, seus financiadores e a comunidade internacional precisam dar um passo além e garantir que a mineração fique fora desses territórios e de outras áreas protegidas. Essa é uma obrigação de todas e todos diante dos povos que a colonização tentou exterminar ao longo da história e que, apesar disso, seguem vivos e oferecendo alternativas ao modelo de exploração e devastação de nosso planeta.”
De acordo com o relatório, até 5 de novembro de 2021, Belo Sun seguia com 11 requerimentos minerários ativos na Agência Nacional de Mineração (ANM) com sobreposições em terras indígenas para a exploração do ouro. As solicitações afetam diretamente as terras indígenas Arara da Volta Grande do Xingu e Trincheira Bacajá. A Potássio Brasil aparecia com 19 requerimentos minerários ativos com sobreposições em terras indígenas. Desse total, 14 interferem diretamente sobre os territórios dos povos Mura, 4 sobre os Munduruku e dos Kaxuyana. A Terra Indígenas Jauary seria a mais impactada por essa mineradora, de acordo com o estudo.
Grupo F&M no centro da destruição da floresta
No relatório, Apib e Amazon Watch afirmam que o projeto de mineração de ouro da canadense Belo Sun, ligada ao Grupo F&M “será o maior projeto de exploração de ouro da América Latina – e o golpe final à região da Volta Grande do Xingu”, território que fica às margens da usina hidrelétrica de Belo Monte. Já a Brasil Potássio, também da corporação, é listada por não respeitar o direito de consulta às comunidades indígenas do povo Mura atingidas por seu projeto, Potássio Autazes, no município de mesmo nome — a pouco mais de 100 km da capital Manaus (AM). “Mais de 14 mil indígenas podem ser atingidos pela iniciativa, com risco de “contaminação de fontes de água essenciais para a vida das comunidades”, afirma o relatório.
A Potássio do Brasil “está descumprindo decisão judicial” em seus negócios recentes, de acordo com o relatório, em contrato assinado entre a mineradora do grupo F&M e a construtora chinesa CITIC. Ainda assim, a iniciativa é vista como próspera pelo governo Bolsonaro, aliado fiel da destruição. “Esse cabo de guerra tem dois lados: enquanto os
povos indígenas lutam para garantir suas vidas e o respeito aos seus territórios, o outro lado quer ter o direito de produzir a morte e a destruição”, pondera o texto do relatório.
O documento é endereçado a toda a comunidade global e tem por objetivo gerar espanto, mas, principalmente, mobilizar o maior número possível de pessoas e instituições na defesa dos direitos da humanidade e colocar fim a esse cenário de caos, morte e destruição.
Um dos pontos mais impressionantes do relatório é a quantidade de requerimentos de pesquisa mineral que foram protocolados na Agência Nacional de MIneração (ANM) e que têm impacto direto em Terras Indígenas. Análise realizada em parceria com o projeto Amazônia Minada, do Infoamazonia, identifica até novembro de 2021, um número total de 2.478 pedidos ativos e sobrepostos a 261 terras indígenas no sistema da ANM. Esses processos estão em nome de 570 mineradoras, associações de mineração e grupos internacionais. Juntos, eles tentam explorar uma área de 10,1 milhões de hectares em todo o Brasil – praticamente o tamanho da Inglaterra.

Existem, de acordo com os dados 225 requerimentos minerários ativos das mineradoras citadas no relatório, sobrepostos a 34 Terras Indígenas. A Vale lidera com 75 pedidos ativos, seguida pela Anglo American, com 65, e pelas duas empresas do Grupo Minsur (Taboca e Mamoré), com outros 35. Na sequência vêm Potássio do Brasil, com 19 requerimentos ativos, Rio Tinto, com 14, Belo Sun, com 11, Glencore, com 3 e AngloGold Ashanti, com 3. Os pedidos são referentes a mineração de diversos metais, em especial o cobre, ouro, níquel, sais de potássio, zircão, cassiterita, bauxita e diamante. A área total sobre a qual versam esses requerimentos é de 572.738 hectares, ou seja, corresponde ao tamanho do Distrito Federal. O Pará é o estado com a maior concentração de pedidos: 143 requerimentos sobrepostos a 22 Terras Indígenas.
Quem financia a destruição?
O levantamento aponta que se for considerado o valor dos empréstimos, subscrições, investimentos em ações e títulos, as mineradoras receberam um total de USD 54,1 bilhões em financiamento no Brasil e no exterior. Corporações sediadas nos Estados Unidos continuam entre as principais financiadoras cúmplices na destruição. Juntas, as gestoras Capital Group, a BlackRock e a Vanguard investiram USD 14.8 bilhões nas mineradoras com interesses em Terras Indígenas e
histórico de violações de direitos.
Instituições financeiras brasileiras, como o fundo de pensão brasileiro PREVI (Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil), e o Bradesco também aportam grandes recursos nestas mineradoras. Bancos privados internacionais também se destacam por seus investimentos nessas empresas, como o Crédit Agricole (França), o Bank of America e o Citigroup (Estados Unidos), o Commerzbank (Alemanha), e o SMBC Group (Japão).
A íntegra do relatório pode ser acessada aqui: Cumplicidade na Destruição IV