
Ao mesmo tempo que democratiza o acesso de populações marginalizadas, a tecnologia é também uma ferramenta para assegurar o poder das grandes empresas e da manutenção do próprio capitalismo. É o que afirma o historiador e professor Gustavo Gaiofato. Ele foi o convidado desta semana do programa Moda e Política, que nesta quinta-feira (17) debateu a ‘Uberização na moda’.
“O que a gente tá vendo é um aprofundamento das relações de exploração. No caso da uberização, está articulado com outros elementos históricos, como a Revolução 4.0, que criou novas formas de vigilância e de rastreio da produtividade e da gestão do trabalho, com aplicativos, algoritmos, localizadores e todas essas tecnologias que acabam criando uma forma de explorar o trabalho de forma muito mais intensa.”
Gustavo Gaiofato
Graduado em História pela Universidade de São Paulo (USP), Gaiofato também é professor de filosofia e ministra o curso ‘Neoliberalismo, uberização e sofirmento’ que terá pré-lançamento na plataforma de EAD Classe Esquerda.
“O termo uberização está ligado diretamente a uma forma específica de gestão do trabalho. A uberização aparece bastante dentro de uma dinâmica que muita gente chama de neoliberal da economia. Mas a gente tem que tomar cuidado porque o neoliberalismo é uma forma de gestão do capitalismo”, afirma o professor.
O Moda e Política ocorre a cada 15 dias. A cada episódio um convidado diferente aborda as principais questões que envolvem o mundo fashion com olhar político sobre o que se passa em toda a cadeia de produção – do cultivo e processamento de fibras passando pelo vestir até o descarte de peças.
As entrevistas são conduzidas pela secretária de redação do site Socialismo Criativo, Iara Vidal. A jornalista é pesquisadora independente dos encontros da moda com a política e representa o movimento Fashion Revolution em Brasília. Ela é modativista para que a produção seja justa, ética e consciente. E que preze pelas pessoas e pela natureza acima do lucro.
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Gestão neoliberal da uberização do trabalho
Gaiofato explica que o neoliberalismo é uma forma de gestão do capitalismo surgida a partir da crise de lucratividade do próprio sistema. O que levou a alteração da economia ligada à taxa de industrialização para ganho de lucratividade do mercado financeiro.
Ao mesmo tempo, o neoliberalismo incentiva o consumo desenfreado e, com o argumento de baratear custos, aumenta a precarização do trabalho. Com isso, mantém o aumento constante da sua lucratividade.
Além disso, o neoliberalismo coloca o consumo como ‘experiência’ e um reconhecimento de própria identidade de quem consume dentro da ordem que está estabelecida.
No mundo da moda, não poderia ser diferente. E, mesmo quem busca sair desse ciclo encontra dificuldade e acaba, muitas vezes, por fortalecer a uberização do trabalho.
“A grande maioria das pessoas que consomem de forma consciente é por conta do meio ambiente. Raramente entra a questão dos trabalhadores da cadeia na conscientização do consumo”, destaca o professor.
Moda, crise, pandemia e algoritmos
Iara lembra que durante a pandemia houve um boom de vendas pela internet, apesar de toda a precarização. Porém, marcas pequenas esbarram na dificuldade de furar sua própria bolha em busca de potenciais clientes.
Isso porque sem o ‘patrocínio’ nas plataformas, ou seja, o pagamento para que o anúncio chegue em quem interessa, os empreendedores perdem novamente para as grandes marcas que investem pesado na divulgação de seus produtos.
“Continuam reféns de um algoritmo. Se você não tem grana pra patrocinar, você não fura sua bolha”, resume a modativista.
Gaiofato observa que a dinâmica da economia está relacionada a uma série de fatores que escapa desses pequenos empreendedores.
“Os recursos não são dispostos da mesma forma”, lembra. Além disso, o país sofre com o aumento da falta de competitividade.
“As grandes indústrias operam com preços muito baixos porque a cadeia produtiva desses produtos tem trabalho precário, baixos salários. Porque as pessoas compram fast fashion? Porque são mais baratas. E aí estrangula ainda mais quem está criando uma iniciativa menor”, reforça Gaiofato.
Ele faz também uma crítica ao papel da esquerda nesse processo. Para Gaiofato, a mudança tem que ser muito profunda do que já foi feita quando as forças progressistas estiveram no comando do país. “Há uma anomia na nossa esquerda que atua para mitigar os danos ao invés de buscar alternativas que sejam estruturalmente diferentes”, critica.
Como frear a uberização do trabalho?
Iara defende a necessidade de criar empregos dignos para a população.
“Onde gera emprego de qualidade não é no agronegócio, mas com um plano nacional de desenvolvimento que desenhe um complexo industrial que invista em tecnologia e inovação. Como a gente pode colocar essa tarefa na mão dessa burguesia nacional que é autoritária, violenta e entreguista?”
Iara Vidal
Para Gaiofato, o país está no processo de desindustrialização porque a burguesia está no poder. “Não há nenhum outro caminho que escape a essa dinâmica que não seja pela irrupção social”, defende.