
O advogado especializado em mídia, cultura e propriedade intelectual e professor da PUC-Rio Cláudio Lins de Vasconcelos concedeu uma entrevista exclusiva para o site Socialismo Criativo.
Vasconcelos, entre outras posições, foi secretário nacional de economia da cultura, consultor do Banco Mundial e assessor adjunto de assuntos internacionais no Ministério da Justiça.
Ele é autor de diversos trabalhos, entre eles o livro “Mídia e Propriedade Intelectual: a Crônica de um Modelo em Transformação“.

Durante o bate-papo virtual, o doutor pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e mestre pela Universidade de Notre Dame falou sobre o impacto da pandemia da Covid-19 no setor artístico e cultural.
Impactos econômicos
O entrevistado avalia que o atual governo já havia desacelerado fortemente investimentos na área de cultura. Cenário que foi agravado com o distanciamento social imposto pela atual crise sanitária e a paralisação dos equipamentos culturais.
“A Covid-19 vem afetar outro aspecto essencial, talvez o mais importante para muitos segmentos da indústria cultural, que é o público. Algumas manifestações vão sofrer mais do que as outras.[…] Outras vão sofrer menos, como, por exemplo, streaming e todas essas novas formas de manifestação cultural que se valem cada vez mais dessa relação virtual, na internet, essas vão experimentar talvez uma grande transformação”.
Um dia o distanciamento social será suspenso e, para Vasconcelos, esse período mostra a importância da arte e da cultura para a humanidade.
“O que seria de nós, nesse momento de quarentena, se não fosse a música, o cinema ou o conteúdo que a gente está conseguindo acessar, ainda que remotamente? Isso conforta a alma, nos lembra de quem nós somos, nos traz referências positivas, nos entretêm, nos faz – ainda que por alguns momentos – esquecer para não ficar totalmente concentrados nos problemas gigantescos que estamos vivendo. Com isso, as pessoas podem recuperar suas energias e renovar as suas esperanças num amanhã melhor.”
Vasconcelos falou também sobre as novas formas de expressão artística em tempos de distanciamento social a partir da internet: apresentações ao vivo via redes sociais, festivais online com grandes nomes da música etc.
“Talvez exista todo um novo mercado se abrindo diante dos nossos olhos. Nem como economia nem como experiência de civilidade a internet vai substituir o espaço público e o convívio ao vivo.”
Experiências de cultura online
Ele também comentou a iniciativa de alguns governos estaduais, como o do Maranhão e do Pará, que lançaram editais para contratação de espetáculos em formatos virtuais durante o período de distanciamento social.
“No momento em que os projetos presenciais se tornam inviáveis, esses editais aparecem como alternativa interessante para manter tudo andando, manter a roda girando.”
Transcendência humana
Vasconcelos destacou que seria lamentável se a economia da cultura entrasse em colapso. O setor que temos hoje, comenta, é resultado direto de duas décadas de investimentos públicos e privados.
“São 5,2 milhões de trabalhadores no Brasil inteiro que direta ou indiretamente dependem das atividades criativas e culturais de uma forma geral. O setor representa 2% a 3% do PIB [Produto Interno Bruto], o que é muita coisa. É um setor, por exemplo, maior do que o de transportes, o farmacêutico, e que emprega mais do que o setor de turismo.”
Ele destaca que a arte e a cultura transcendem os aspectos econômicos e de geração de emprego.
“É a afirmação da nossa autoestima, do nosso lugar no mundo. Geopoliticamente é muito importante o Brasil manter essa posição com uma produção cultural relevante. É a nossa melhor chance de inserção nos foros decisórios e até no imaginário geopolítico. São muitas as razões pelas quais a gente deve investir em cultura.”
Vasconcelos comentou ainda sobre as expectativas para o mundo e para o setor de cultura no período pós-pandemia.
“O mundo não será o mesmo, sem dúvida. Todo mundo sente que algo de muito importante está acontecendo. Essa ruptura certamente terá consequências de longo prazo e, como tudo, afeta a cultura.”
Tudo tem um lado bom
O entrevistado também destacou o aspecto positivo dessa crise, que renovou a importância do trabalho do jornalismo profissional, da checagem de fatos, e mostrou que o trabalho profissional de informação não é substituível por essa miríade de fontes amadoras e não checadas que na última década pareciam estar em termos de igualdade com a mídia profissional.
“Lidar com informação é uma coisa muita séria. Informação é um bem precioso que pode salvar vidas ou pode, pelo contrário, colocar vidas em risco.”
Finalmente, o Vasconcelos avalia que, como em toda a crise, as pessoas serão obrigadas a tomar decisões criativas, a pensar fora da caixa em coisas que ainda não tinham pensado. Ele prevê o surgimento de novos modelos de negócio e de novas formas de fruição cultural.
“A humanidade vai seguir o seu curso. A cultura vai sempre existir. Com ou sem dinheiro, sempre vai haver o artista. No fim do mundo vai ter um artista no palco e uma pessoa admirada com a beleza que é a transcendência, que é a arte, uma das coisas mais nobres e belas que o ser humano pode fazer, e generosas também, porque toca no fundo da nossa alma. Como se não bastasse, ainda é uma indústria importante.”
Confira a entrevista completa: