
As consequências da prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) para a relação entre os Poderes Legislativo e Judiciário estiveram no centro do debate travado entre congressistas e analistas na manhã desta quarta-feira de Cinzas (17).
Em defesa da democracia, autoridades e políticos de diferentes espectros políticos rechaçaram o flerte com o autoritarismo e a série de ataques protagonizados pelo parlamentar ao Supremo Tribunal Federal (STF), cujo novo episódio colocará em xeque a força de Jair Bolsonaro (sem partido) sobre a gestão de Arthur Lira (PP-AL).
Nesta tarde, a Câmara precisará confirmar ou negar a prisão. Se negar, o Legislativo deixará claro que considera normal que parlamentares ameacem outro Poder. Se, porém, permitir a prisão, o presidente da Casa entrará em conflito com o próprio Planalto e a base ideológica do presidente.
‘Defesa da democracia é inegociável’
“A defesa da democracia e a sua manutenção são inegociáveis. Não dá para confundir ataques ao Estado de Direito com liberdade de expressão”, defendeu a deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA).
Prisão pedagógica
Companheiro de partido da deputada baiana, Rafael Motta (PSB-RN) afirmou que a “prisão do deputado Daniel Silveira cumpre papel pedagógico”. “Não há espaço para discursos antidemocráticos em instrumentos de democracia. A liberdade de expressão se perde quando a sua própria expressão ameaça a liberdade”, declarou.
‘Projeto de destruição da democracia’
Na opinião de Camilo Capiberibe (PSB-AP), o ‘vídeo/provocação de Daniel Silveira testa os limites do STF logo depois da divulgação do livro do General Villas Bôas, em que este reconhece que ouviu os chefes das forças armadas antes de postar um tweet, em 2018, pressionando o STF no julgamento do hapeas corpus do Lula”.
Recapitulando o momento vivido pelo Brasil, Capiberibe lembrou que “tudo isso acontece no momento em que Jair Bolsonaro elegeu um aliado para presidir a Câmara dos Deputados e que por isso o STF estaria enfraquecido”. “O que enfraquece as instituições é a tolerância com o projeto de destruição da nossa democracia levado a cabo por Bolsonaro”, apontou o deputado.
“Decisão do ministro Alexandre de Morais, decretando a prisão do deputado Daniel Silveira, é constitucional e necessária em virtude do parlamentar ser investigado em inquérito e ação penal justamente por apoiar atos antidemocráticos, e defender o fechamento do STF”, afirmou Capiberibe.
‘Crimes de ódio’ x impunidade
Comentando sobre a decisão do ministro Alexandre de Moraes, Bira do Pindaré (PSB-MA) foi preciso: “Crimes de ódio não podem ficar impunes”, disse o parlamentar.
Abuso de prerrogativas
Após decisão unânime do STF de referendar a prisão do bolsonarista, Gervásio Maia (PSB-PB) antecipou seu voto quando o caso chegar ao Plenário. “O STF confirmou, por unanimidade, a prisão do deputado Daniel Silveira. A Câmara não pode admitir que o deputado use o cargo e abuse de suas prerrogativas constitucionais para atacar a Constituição, as Instituições e a Democracia, muito menos referendar a barbárie. Assim será meu voto!”.
Partidos acionam Conselho de Ética
A líder do PSOL na Câmara, deputada Talíria Petrone (RJ), afirmou hoje que o partido vai pedir a cassação do deputado no Conselho de Ética da Casa. Os parlamentares do PSOL estão buscando o apoio de outros partidos de oposição para que também assinem o pedido.
Em entrevista na manhã desta quarta, Rogério Correia (PT-MG) também informou que o partido também será denunciado hoje no conselho de ética da Câmara por suas ameaças. “Se a Câmara não tomar nenhuma medida em relação a isso, será um tiro no pé contra a democracia”, explicou. “É hora de mostrar que existe Lei no país”.
Líder da Oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) disse que “democracia não pode tolerar quem atenta contra ela. Liberdade de opinião não pode ser confundida com incitação ao crime que é punível conforme artigo 286 do Código Penal”. “A Rede subscreverá denúncia ao Conselho de Ética da Câmara”, anunciou.
“Guardião contra arreganhos autoritários”
Alvo de um pedido de prisão feito pelo STF em 2017, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) parabenizou a Corte pela decisão. Em sua conta no Twitter, o senador disse que o Supremo tem sido “guardião contra arreganhos autoritários” e que “não há dúvida do crime contra o estado democrático”. “Parabenizo o ministro Alexandre de Moraes pela prisão Daniel Silveira. Não há dúvida do crime contra o estado democrático, o flagrante por apologia ao AI-5 e fechamento das instituições. Essa escória não pode avançar”.
‘Sob comando de Bolsonaro e filhos’
O jornalista Hélio Doyle viu sinais da interferência do clã Bolsonaro nos últimos episódios. “O deputado fascista não está agindo isoladamente, está sob comando de Bolsonaro e filhos. Usando a imunidade parlamentar, testa a capacidade de reação do STF, observa a reação dos militares e mede o nível de adesão ao genocida no Congresso. O golpe está sendo preparado”, apontou.
“STF não pode ser coagido”
Ex-juiz, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), observou a prisão a partir da ótica legal. “Sobre prisão de deputado, importante notar que a imunidade parlamentar não é absoluta, conforme ampla jurisprudência. IMUNIDADE NÃO É IMPUNIDADE. Há um evidente ataque de milícias contra a democracia, que deve ser repelido. O STF não pode ser coagido na sua missão constitucional”, aclarou.
Câmara legalista ou corporativista?
Advogado de formação, o integrante do bloco do Centrão, liderado por Lira, deputado Fábio Trad (PSD-MS) também endossou a decisão do STF. “Li a decisão do Ministro Alexandre de Moraes e vi o pronunciamento do deputado Daniel Silveira. A fala está tipificada em vários delitos do CP [Código Penal] e leis esparsas. A Câmara deverá optar entre ser corporativista contra a CF [Constituição Federal] ou legalista a favor da nossa ameaçada democracia”, afirmou.
Silveira e a certeza da impunidade
Apesar da pressão crescente, no Twitter, Daniel Silveira mostrou certeza sobre a sua impunidade. “Aos esquerdistas que estão comemorando, relaxem, tenho imunidade material. Só vou dormir fora de casa e provar para o Brasil quem são os ministros dessa suprema corte. Ser ‘preso’ sob estas circunstâncias, é motivo de orgulho”.
Arthur Lira no centro da polêmica
Também pelas redes sociais, Arthur Lira afirmou que seguirá a deliberação da maioria na Câmara.
“Como sempre disse e acredito, a Câmara não deve refletir a vontade ou a posição de um indivíduo, mas do coletivo de seus colegiados, de suas instâncias e de sua vontade soberana, o Plenário. Nesta hora de grande apreensão, quero tranquilizar a todos e reiterar que irei conduzir o atual episódio com serenidade e consciência de minhas responsabilidades para com a Instituição e a Democracia”, afirmou o presidente da Casa.