
“Em 100 anos saberá”, disse o presidente Jair Bolsonaro (PL) em resposta a um usuário no Twitter que questionou as decisões de manter informações em segredo. Aparentemente, a réplica se tornou “lei marcial” e o governo bolsonarista segue escondendo documentos e dados por um século da população e órgãos fiscalizadores.
Na ação mais recente, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) impôs sigilo de 100 anos aos processos administrativos aplicados para os agentes que se envolveram na abordagem que resultou na morte por asfixia de Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, em Umbaúba (SE). A PRF negou acesso à informação à equipe do portal Metrópoles.
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E por mais que o Ministério Público Federal de Sergipe (MPF-SE) ter revelado que abriu procedimento para investigar a suposta classificação como “informação pessoal”, é, no mínimo curioso a quantidade de sigilos que a gestão de Bolsonaro impôs em 3 anos e meio de mandato.
Anteriormente, o Planalto já recorreu ao mesmo recurso para colocar em segredo um processo administrativo contra o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e o cartão de vacinação do chefe do Executivo.
De acordo com a Lei de Acesso à Informação (LAI), o sigilo de até 100 anos — prazo máximo estabelecido na lei —, pode ser imposto quando a publicidade dos dados viola a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem de uma pessoa.
Por mais que a impsição de segredo possa ser contestada pela Controladoria-Geral da República (CGU), é inegável que o processo fere a transparência no governo e acende questionamentos sobre o porquê de tantas informações trancadas à sete chaves.
Com isso, o Socialismo Criativo relembra casos em que o governo de Jair Bolsonaro impôs sigilo de um século em informações potencialmente comprometedoras. Confira:
Reunião com pastores
Ao negar dados sobre reuniões entre Bolsonaro e os pastores, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) usou os artigos 6 e 7 da LGPD. Segundo os dispositivos, o tratamento de dados só pode ser feito quando houver “propósitos legítimos, específicos e informados”.
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Ainda de acordo com o GSI, o sigilo dos dados sobre entradas e saídas para encontrar Bolsonaro “cumpre a finalidade específica de segurança da mais alta autoridade do Poder Executivo”.
Pareceres de 2021 da CGU vão contra a decisão do gabinete. “A disponibilização dos dados solicitados [de entrada e saída no Planalto] permite a qualquer interessado realizar o cotejamento das informação de ingresso de visitantes a órgãos públicos com a agenda de autoridades, publicada em transparência ativa, sem que isso represente risco à segurança das autoridades estatais ou prejuízo à autonomia informativa dos titulares dos dados”, afirma trecho de um deles.
Pazuello
Em junho de 2021, o Exército negou acesso ao processo administrativo contra o ex-ministro Eduardo Pazuello por participar de um ato político em favor de Bolsonaro. A conduta é vedada a militares da ativa. O ex-ministro não foi punido.
A negativa usou como argumento o artigo 31, parágrafo 1º, inciso I, da LAI. O trecho diz que o tratamento de informações pessoais deve respeitar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.
O sigilo foi questionado no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo PT, PCdoB, PSOL e PDT. Em resposta, o comando do Exército disse que a decisão de colocar o caso em segredo foi tomada por considerar que o processo administrativo não é de interesse público. Também afirmou que o episódio é “assunto interno” da corporação.
Segredos em família
Em julho de 2021, dados dos crachás de acesso do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) ao Palácio do Planalto foram colocados em sigilo por 100 anos. O segredo foi usado para negar acesso a um pedido de acesso à informação feito pela revista Crusoé.
O Planalto usou o mesmo argumento do caso de Pazuello: os dados dizem respeito “à intimidade, vida privada, honra e imagem dos familiares do senhor presidente da República”, protegidos “nos termos do artigo 31” da LAI.
Cartão de vacinação
Informações sobre o cartão de vacinação do presidente também estão em sigilo por um século. A decisão foi informada à revista Época em resposta a um pedido via LAI. Mais uma vez, a negativa foi dada citando o artigo 31 da própria lei. Os dados, disse o Planalto, são pessoais.
Matrícula de Laura Bolsonaro
Também está em sigilo a matrícula de Laura Bolsonaro, filha mais nova do presidente, no Colégio Militar de Brasília. O ingresso ocorreu sem que ela sequer passasse por processo seletivo. O caso não está em segredo por cem anos, mas perdura enquanto Bolsonaro permanecer como presidente da República.
O jornal Folha de S. Paulo pediu dados sobre a matrícula com base na LAI. Ao negar, a justificativa do Planalto foi que informações sobre a matrícula colocariam em risco a vida de Laura.