
O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, e o chanceler chinês, Wang Yi, concordaram neste domingo em manter contato regular para controlar as piores tensões bilaterais em décadas. A reunião, às margens do encontro do G-20, veio em meio ao aumento dos embates com relação a Taiwan nas últimas semanas, um dos pontos mais sensíveis da guerra fria sino-estadunidense.
A reunião de mais de duas horas foi a primeira vez que Blinken e Wang se sentaram à mesa desde o encontro presencial no Alasca em março, marcado por uma troca mútua de acusações. De acordo com a agência Xinhua, o chanceler chinês defendeu comunicações para “administrar e controlar as diferenças entre os dois lados e resolver adequadamente problemas que venham a surgir, para facilitar a compreensão, eliminar dúvidas, evitar julgamentos equivocados e explorar a cooperação”.
Os EUA, por sua vez, afirmaram que Blinken “reforçou a importância de manter abertas linhas de comunicação para administrar com responsabilidade a competição”. Ele disse ainda que os EUA e a China podem trabalhar juntos em assuntos como a Coreia do Norte, Mianmar, Irã, Afeganistão e as mudanças climáticas, apesar das divergências sobre direitos humanos e as políticas chinesas para Hong Kong e Taiwan.
Segundo os estadunidenses, Blinken “deixou claro” que Washington se opõe a qualquer mudança unilateral no status quo da ilha, considerada uma província rebelde por Pequim. Wang, por sua vez, disse que os EUA são “coniventes” e “apoiam” o movimento pró-independência de Taipé.
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Os EUA não têm relação formal com Taiwan desde que retomaram seus laços diplomáticos com Pequim, em 1979. À época, contudo, o Congresso estadunidense aprovou a Lei das Relações com Taiwan, que obriga o país a apoiar os esforços de autodefesa taiwaneses, inclusive com a venda de armas, e o Instituto Estadunidense em Taipé funciona como uma embaixada de fato.
Não há, no entanto, uma obrigação de defesa, como é o caso com outros aliados estadunidenses no Pacífico, como o Japão e a Coreia do Sul. Os EUA, propositalmente se recusam a dizer se auxiliariam ou não com uma intervenção militar em caso de ameaça chinesa — a ideia desta estratégia de “ambiguidade estratégica” é que a incerteza ajude a dissuadir Pequim de usar a força para reincorporar Taiwan ao controle do governo continental.
As tensões entre Pequim e Taipé se acirraram desde a eleição, na década passada, da presidente taiwanesa Tsai Ing-wen, que se opõe abertamente à reunificação com a China, meta do regime chinês desde que os comunistas ganharam a guerra civil, em 1949, e os nacionalistas fugiram para a ilha. Nas últimas semanas, o sobrevoo de caças chineses no espaço aéreo da ilha — oito apenas nesde domingo — tem sido um motivo particular de críticas taiwanesas.
Assunto ‘mais sensível’
Wang reiterou neste domingo que, para Pequim, a província é o assunto mais sensível da relação bilateral. Ele expressou ainda sua “preocupação solene com vários assuntos nos quais o lado estadunidense prejudicou os direitos e interesses legítimos da China” e pediu que Washington “mude seu curso de ação e ponha as relações sino-estadunidenses novamente no caminho para o desenvolvimento saudável”.
Nós demandamos que os EUA busquem uma política real da China única, e não uma política falsa da China única — afirmou ele, segundo uma nota emitida por Pequim.
Por sua vez, nos EUA, com o aumento da competição com a China, a Casa Branca sofre pressão para mudar sua “ambiguidade estratégica”. Biden chegou a dizer no último dia 21 que defenderia Taiwan de um ataque chinês, sugerindo uma mudança na política, mas a declaração foi matizada posteriormente por seu porta-voz e por Blinken neste domingo.
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De acordo com o diplomata, os EUA não mudarão seu posicionamento e seu “compromisso antigo” com a lei de 1979 para “garantir que Taiwan tem condições de se autodefender. E nós reafirmamos isso”:
— Queremos garantir que ninguém tome ações unilaterais que possam perturbar o status quo no que diz respeito a Taiwan. Isso não mudou — disse ele durante a reunião, que antecipa uma conferência virtual entre os presidentes Joe Biden e Xi Jinping ainda neste ano.
Mísseis hipersônicos
De acordo com a fonte do Departamento de Estado, contudo, Blinken e Wang não discutiram os mais recentes testes de mísseis de deslizamento hipersônicos — capazes de portar ogivas nucleares e mais difíceis de serem detectados pela defesa do inimigo — realizados por ambos os países nas últimas semanas.
Embora a China tenha negado seus testes, que foram noticiados pelo jornal britânico Financial Times, eles teriam provocado alarme nos EUA. A tecnologia, uma vez aperfeiçoada, em teoria poderia ser usada para lançar ogivas nucleares sobre o Polo Sul, desviando-se dos sistemas antimísseis estadunidenses no Hemisfério Norte.
Para especialistas, a estratégia chinesa é de dissuasão. No caso de uma guerra entre os EUA e a China, estima-se que estadunidenses teriam dificuldade para derrotar Pequim com forças convencionais, o que aumentaria a probabilidade do uso de armas nucleares.
Logo, o fato de Pequim poder lançar uma retaliação também atômica com menos chances de detecção dissuadiria Washington de usar esse tipo de armamento.
Com informações do Bloomberg