
O ministro da Economia, Paulo Guedes, tentava desde terça-feira reverter o pedido de demissão dos secretários do Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, e do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, de seus cargos. Os pedidos dos secretários para sair do governo foram comunicadas no mesmo dia que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) decidiu fazer o anúncio oficial do lançamento do Auxílio Brasil no Palácio do Planalto.
A ameaça de debandada dos técnicos adiou o anúncio do programa, mas não evitou que o governo levasse adiante o desejo de fazer uma manobra para reajustar o benefício social.
Guedes tem reclamado a aliados de estar com dificuldade em controlar os gastos e está cada vez mais isolado no governo. Ele tem repetido com exaustão sua preocupação em furar o teto de gastos. Formulou então uma nova narrativa para justificar o aumento.
No mesmo dia que pediu um waiver, uma licença temporária para gastar além do limite, o presidente Jair Bolsonaro declarou que “ninguém furaria o teto de gastos”, ninguém faria “estripulias no orçamento” para aumentar o Auxílio Brasil para R$ 400, R$ 100 a mais do que estava em discussão meses atrás.
Apesar do pedido de demissão de quatro integrantes do Ministério da Economia acentuar a turbulência causada pela ameaça de furar o teto de gastos para bancar o novo Auxílio Brasil de R$ 400, integrantes do Palácio do Planalto asseguram que o ministro Paulo Guedes não vai deixar o cargo.
A permanência do ministro, porém, está longe de significar o fim da queda de braço entre a área econômica e a ala política.
Em tom de ironia, auxiliares do Palácio do Planalto costumam dizer que há o governo Bolsonaro e o governo Guedes. O ministro é criticado por, diversas vezes, colidir publicamente com os interesses do próprio presidente que mira a reeleição em 2022.
O programa que substituirá o Bolsa Família é considerado essencial para a recuperação da popularidade de Bolsonaro.
A relativização do teto de gastos, regra que limita o crescimento das contas públicas, já era debatido no Planalto desde o início do ano, mas o ministro e sua equipe resistiram até nesta semana.
A avaliação de auxiliares diretos de Bolsonaro é que o mercado já teria absorvido o impacto e, portanto, o governo já teria em mãos uma solução para financiar o programa social.
Integrantes do governo admitem, porém, que saída dos secretários expõe a fragilidade de Bolsonaro. A avaliação é que se o governo estivesse em um momento de popularidade alta, as mesmas medidas seriam tomadas sem que ninguém precisasse deixar o governo.
Medo motivou saída de secretários
Além da divergência em relação à revisão do teto de gastos, o receio de se tornarem alvo de investigações de órgãos como o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Ministério Público também motivou a nova debandada da equipe de Paulo Guedes. O temor de “ligar seus CPFs” a decisões polêmicas como essa é um receio frequente entre os técnicos, já que os órgãos de controle podem questionar atos até anos depois.
Bruno Funchal, que pediu demissão nesta quinta-feira do cargo de Secretário do Tesouro e Orçamento, era um dos que mais resistiam à ideia da revisão do teto. Além dele, também pediram afastamento o secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, e os secretários adjuntos de Funchal e de Bittencourt, respectivamente Gildenora Dantas e Rafael Araujo.
O teto de gastos é uma regra fiscal que limita o crescimento de despesas da União à inflação do ano anterior. Ou seja, na prática, não há aumento real de despesas. Para viabiliar o pagamento do novo Auxìlio Brasil de R$ 400, essa fórmula foi alterada na PEC dos Precatórios, aprovada em comissão especial da Câmara dos Deputados ontem.
Questão de princípios
Funchal reuniu sua equipe pouco antes de tornar pública a decisão de deixar o governo. Avisou que se tratava de uma questão de princípios, de convicção da importância da regra fiscal para o controle de despesa pública.
Há menos de um mês, Funchal disse a um grupo de investidores que não assinaria nenhuma medida que desrespeitasse o teto de gastos.
Como antecipou a colunista do O Globo Malu Gaspar, em 30 de setembro, num almoço promovido pela XP Investimentos em São Paulo, Funchal pediu ajuda do mercado para pressionar o governo defendendo o teto de gastos. Pediu ajuda para “formar uma estratégia para defender o fiscal”
Segundo gestores que participaram do encontro, Funchal admitiu que era grande a pressão da ala política para que se financiasse o novo programa social do governo por meio do estouro do teto.
Nos últimos meses, a equipe econômica vinha trabalhando por um programa social mais modesto, de R$ 300, que seria encaixado no Orçamento por meio da PEC dos Precatórios e custeado com o retorno da taxação sobre os lucros e os dividendos, parte da Reforma do Imposto de Renda.
Mudança no teto de gastos
Porém, a reforma do Imposto de Renda não avançou no Senado. Do outro lado, o presidente Jair Bolsonaro determinou um auxílio de R$ 400 no mínimo.
Para viabilizar o Auxílio Brasil, o relator da PEC dos Precatórios, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), propôs alterar a regra de correção do teto de gasto. Atualmente, a fórmula considera o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) apurado entre julho de um ano e junho do ano seguinte.
A proposta é mudar para janeiro a dezembro, com valores retroativos a 2016.A mudança parece simples, mas na avaliação de técnicos do Congresso, o governo conseguiria essa margem para contornar o teto de gastos. Além disso, a proposta permite um gasto de até R$ 15 bilhões fora do teto em 2021.
Com informações do jornal O Globo