
O número de gestantes e mulheres em pós-parto mortas na cidade do Rio neste ano já chega ao total registrado em 2020. Nos sete primeiros meses desse ano, foram 83 óbitos, enquanto no ano passado, foram 84. Os dados são de um levantamento feito pela Comissão de Saúde da Câmara Municipal do Rio.
De acordo com os dados, a mortalidade materna na cidade equivale ao total registrado no Nordeste. O índice é calculado pela razão do número de mulheres grávidas ou até 42 dias após o parto mortas por 100 mil nascidos vivos. São levadas em conta as mortes causadas por fatores relacionados à gestação. A taxa foi de 60 mortes em 2018, 80 em 2019, 119 em 2020 e chegou a 229 até julho deste ano.
O problema é maior em áreas mais vulneráveis. O levantamento mostra, por exemplo, que enquanto a região da Grande Tijuca, na Zona Norte, não teve nenhuma morte materna registrada no ano passado e a Zona Sul teve apenas uma, a região de Irajá e Madureira, na Zona Norte, contabilizou 16 óbitos. Já a região com a maior taxa de mortalidade materna em 2020 foi a de Santa Cruz, Paciência e Sepetiba, na Zona Oeste, com 196 mortes por cem mil nascidos vivos. Nesse ano, o índice na região já chegou a 310 óbitos.
O presidente da Comissão de Saúde, vereador Paulo Pinheiro (PSOL-RJ), afirma que a desigualdade entre as regiões se assemelha àquele entre diferentes países.
Entre as principais causas de mortalidade materna estão hipertensão, hemorragia, infecções e abortos. Mas a pandemia também contribuiu para o crescimento. Dos 83 óbitos registrados nesse ano no Rio, cerca de 35 foram causados pela covid-19.
A ginecologista e obstetra Carolina Cabral afirma que a cidade também vem registrando diminuição da assistência ao pré-natal. Uma audiência pública foi marcada pela Comissão de Saúde para o dia 27 de setembro, para debater o problema.
A Secretaria Municipal de Saúde informou que não houve suspensão ou redução da atenção ao pré-natal e que a pasta está aumentando o número de médicos, enfermeiros e equipes de saúde da família para melhorar a qualidade do pré-natal e ampliar a cobertura pela atenção primária.
Aliança para reduzir mortalidade materna e neonatal
Em defesa do atendimento adequado às gestantes e aos neonatos, que reduza a mortalidade materna no Brasil, cerca de 50 entidades e organizações de saúde criaram a Aliança Nacional para o Parto Seguro e Respeitoso. A iniciativa atende à orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS), que escolheu “Cuidado materno e neonatal seguro” como tema do Dia Mundial da Segurança do Paciente 2021, comemorado na última sexta-feira (17). Uma carta-compromisso, a ser divulgada nos próximos dias, busca o engajamento de autoridades nessa luta.
Diversos monumentos espalhados pelo país ficaram iluminados na cor laranja para lembrar a data. Entre eles estão o Cristo Redentor, o Maracanã, os Arcos da Lapa e o Castelo Mourisco, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro; o Palácio de Karnac e o prédio do Conselho Regional de Enfermagem do Piauí, em Teresina, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em Natal, o Palácio dos Leões, em São Luís, o Hospital Regional Wenceslau Lopes, em Piancó, e o Hospital Regional de Cajazeiras, ambos no sertão da Paraíba, o Hemocentro da Universidade de Campinas, em Campinas, e o Elevador Lacerda, em Salvador.
Carta-compromisso
Amanhã (22), a Aliança vai lançar uma carta-compromisso com medidas de redução da mortalidade materna e neonatal. A intenção é que o documento seja assinado como um compromisso por autoridades dos poderes Executivo e Legislativo, nos âmbitos nacional e estaduais, para que as medidas sejam postas em prática.
Embora a meta fixada pelo Brasil na OMS seja de 30 óbitos maternos por 100 mil nascidos vivos até 2030, o número de óbitos de mães no país, em 2018, atingiu 59,1 por 100 mil nascidos vivos.
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“A mortalidade materna, em particular, é um gravíssimo problema de saúde pública”, ressaltou, em entrevista à Agência Brasil, Victor Grabois, presidente da Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente (Sobrasp), uma das entidades que coordenam a iniciativa. Para ele, esse é um problema importante no mundo, mas a maior parte dos entraves está nos chamados países em desenvolvimento e de baixa renda.
No mundo, todos os dias, 830 mulheres morrem por causas evitáveis relacionadas à gravidez e ao parto e, anualmente, 2,5 milhões de bebês morrem logo após nascer. Os dados são da OMS. Victor Grabois afirmou que boa parte dessas mortes é evitável. “Porque elas são mortes por eclâmpsia, por pressão elevada, por infecção, por hemorragia pós-parto, que são preveníveis. Toda morte materna é um evento sentinela, demanda uma investigação específica e, o que é mais grave, uma boa parte, de fato, é evitável”, afirmou. De acordo com a OMS, essas complicações respondem por mais de 70% das mortes maternas.
Covid-19
O quadro ficou mais crítico agora, em decorrência da pandemia de covid-19. “É esperado para 2020 e 2021 que a gente tenha uma elevação da razão de mortalidade materna (RMM). Se a gente comparar 2021 com 2020, em relação às mortes maternas por covid-19, que incluem as gestantes e as puérperas, tivemos uma elevação de quase quatro vezes o número de óbitos maternos em cada semana epidemiológica”.
Se em 2020 a média foi de dez mortes maternas por covid-19 por 100 mil nascidos vivos em cada semana epidemiológica, em 2021 o número chegou a 38 mortes maternas por semana epidemiológica. O levantamento foi feito pelo Observatório Obstétrico Brasileiro (OOB). “Quase quadruplicando esse número”, comentou Grabois. Ainda segundo o observatório, uma em cada cinco mortes maternas pela doença ocorreu fora de uma unidade de terapia intensiva.
Os especialistas asseguram que essa situação dramática pode ser evitada com atendimento adequado às gestantes e aos neonatos. A ideia é unir forças para potencializar os resultados, disse o presidente da Sobrasp. Ele lembrou que, com alguma melhoria na qualidade da atenção ao pré-natal, ao parto e ao puerpério, o Brasil conseguiu reduzir a RMM em 8,4% em um ano, de 2017 para 2018. Mas é preciso avançar mais nesse campo, recomendou.
Campanha
A campanha, difundida ao longo do mês de setembro pelas entidades que participam da Aliança Nacional para o Parto Seguro e Respeitoso, tem como tema “Aja agora para um parto seguro e respeitoso”, que é o slogan da OMS traduzido para o português. As diretrizes gerais da ação foram elaboradas por um conselho científico e reúnem informações e orientações das diferentes entidades participantes para a segurança de mulheres e bebês.
As principais diretrizes envolvem os temas da equidade, respeito, redes de atenção, parto adequado, prevenção à mortalidade materna, prevenção da prematuridade, letramento, empoderamento e engajamento e participação da família.
Segundo o Ministério da Saúde, 65% dos óbitos maternos ocorridos em 2018 foram de mulheres negras ou pardas. A campanha da Aliança envolve o enfrentamento de desigualdades e do racismo, questões que tornam a ação urgente, na opinião do presidente da Sobrasp. Grabois indicou a necessidade de enfrentar, em todos os níveis do sistema de saúde, as barreiras que limitam o acesso a serviços de qualidade, entre as quais a pobreza, a falta de informação e de acesso a serviços de saúde adequados, que impedem que as mulheres recebam cuidados devidos durante a gestação e o parto.
Problemas
O Brasil ocupa a décima posição no ranking mundial da prematuridade, com 300 mil nascimentos prematuros registrados em 2019, de acordo com informação do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, de 2020. Dados do Ministério da Saúde e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) revelam que 11,7% dos partos no Brasil ocorrem antes das 37 semanas de gestação.
Com informações da Band News e Agência Brasil