
Mais de 8,9 milhões de crianças e adolescentes correm o risco de ingressar no trabalho infantil no mundo até 2022, como resultado da pandemia de Covid-19. O alerta é do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).
No Brasil, mais de 3 milhões de crianças e adolescentes trabalham ilegalmente. Desse total, 1,6 milhão não tinha 16 anos de idade. É o que aponta o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2010,
O trabalho infantil é um dos maiores problemas sociais do Brasil. Cerca de 30% da mão de obra das crianças se encontra no setor agropecuário. Do total, mais de 60% ocorrem nas regiões Norte e Nordeste do país, abrangendo 65% de crianças negras e 70% de meninos.
Essa modalidade laboral consiste em toda e qualquer forma de trabalho que seja exercido por crianças ou adolescentes com idade menor àquela definida pela legislação de cada país. No Brasil, esse limite é de 16 anos, salvo enquadramentos como aprendiz, que permite o trabalho a partir dos 14 anos de idade.
Juventude Socialista contra a exploração infantil
A presidenta da Juventude Socialista Brasileira (JSB) do Paraná, Luana Florentino, explica a importância de levantar a bandeira contra trabalho infantil que atrela a outros tipos de violência, como o abuso de crianças e adolescentes e o próprio tráfico de pessoas.
Ela relata que os índices de trabalho infantil cresceram muito na pandemia, em especial no trabalho doméstico. Para cumprir com obrigações domésticas, crianças deixam de ser crianças, abandonam a infância e os estudos.
“É uma coisa que deve ser deixada muito clara: o trabalho doméstico, em si, não é trabalho infantil. Mas a habitualidade desse trabalho, que é o que acontece hoje na pandemia, parte do fato dos pais terem que sair para trabalhar e das crianças não estarem na escola. Essas crianças são colocadas para limpar a casa, fazer a comida e cuidar dos irmãos mais novos, configurando, portanto, um tipo de trabalho infantil.”
Luana Florentino
Famílias vulneráveis são alvo da exploração
Luana aponta que o trabalho infantil aparece principalmente em famílias em situação de vulnerabilidade social. Parte desse fato o fenômeno de crianças atuarem no tráfico de drogas para contribuir com a renda familiar.
A dirigente relata que defende como causa incorporar à pauta da Juventude Socialista Brasileira ações de conscientização nas comunidades mais vulneráveis e nos centros das cidades, onde há crianças que atuam em atividades como venda de doces e lavagem de parabrisas. Ela sugere, por exemplo, o uso das redes sociais para abordar e conscientizar sobre o tema.
”Por vezes nesse sistema punitivista que vivemos nós não olhamos por esse recorte, apenas olhamos para a criança e paramos adolescente que ficam lá na comunidade avisando quando a polícia chega, ou levando a droga em pontos.”
Luana Florentino
Luana relata que outra forma de atuar no enfrentamento ao trabalho infantil é compreender a importância de preservar a infância e ver a criança e o adolescente como sujeito de direito. Isso foi possível com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente e da própria Constituição.
“Tem uma frase do livro cidadão de papel que diz ‘ existe apenas uma oportunidade para criança se desenvolver’ e o trabalho infantil limita e anula esse desenvolvimento.”
Luana Florentino
Trabalho infantil no Brasil
Desde 1988, ano em que foi promulgada a Constituição, que proíbe trabalho infantil, o Brasil aumentou com bastante força as ações de combate a esse tipo de exploração. Órgãos, leis e estatutos foram criados para proteger as crianças, buscando mantê-las nas escolas e fora do mercado de trabalho.
Para se ter uma ideia, quatro anos após a promulgação da nova Constituição, o cenário mostrava 8 milhões de crianças e adolescentes trabalhando no ano de 1992. Após a proibição, esse número caiu para 5 milhões em 9 anos, em 2003.
Situação pode se agravar até 2022
O relatório da Unicef adverte que, globalmente, 8,9 milhões de crianças e adolescentes adicionais correm o risco de ser empurrados para o trabalho infantil até o final de 2022 como resultado da pandemia. Um modelo de simulação mostra que esse número pode aumentar para 46 milhões se eles não tiverem acesso a uma cobertura crítica de proteção social.
Choques econômicos adicionais e fechamentos de escolas causados pela Covid-19 significam que as crianças e os adolescentes que já estão em situação de trabalho infantil podem estar trabalhando mais horas ou em piores condições, enquanto muitos mais podem ser forçados às piores formas de trabalho infantil devido à perda de emprego e renda entre famílias vulneráveis.
“Estamos perdendo terreno na luta contra o trabalho infantil e o ano passado não tornou essa luta mais fácil”, disse a diretora executiva do UNICEF, Henrietta Fore. “Agora, em um segundo ano de lockdowns globais, fechamentos de escolas, interrupções econômicas e orçamentos nacionais reduzidos, as famílias são forçadas a fazer escolhas de partir o coração. Instamos os governos e bancos internacionais de desenvolvimento a priorizar os investimentos em programas que podem tirar as crianças e os adolescentes da força de trabalho e levá-los de volta à escola, e em programas de proteção social que podem ajudar as famílias a evitar essa escolha em primeiro lugar”.
Descobertas importantes do relatório
- O setor agrícola é responsável por 70% das crianças e dos adolescentes em situação de trabalho infantil (112 milhões), seguido por 20% no setor de serviços (31,4 milhões) e 10% na indústria (16,5 milhões).
- Quase 28% das crianças de 5 a 11 anos e 35% dos meninos e meninas de 12 a 14 anos em situação de trabalho infantil estão fora da escola.
- O trabalho infantil é mais prevalente entre meninos do que meninas em todas as idades. Quando as tarefas domésticas realizadas por pelo menos 21 horas por semana são levadas em consideração, a diferença de gênero no trabalho infantil diminui.
- A prevalência de trabalho infantil nas áreas rurais (14%) é quase três vezes maior do que nas áreas urbanas (5%).
Crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil correm risco de danos físicos, mentais e sociais. O trabalho infantil compromete a educação, restringindo seus direitos e limitando suas oportunidades futuras, e leva a círculos viciosos intergeracionais de pobreza e trabalho infantil.
O que é trabalho infantil?
O trabalho infantil é a exploração de crianças e adolescentes como mão de obra, afetando diretamente os menores envolvidos. Ao longo da história, foi uma prática infelizmente muito comum e, apesar de condenada na maioria dos países, ainda é a realidade de milhões de crianças ao redor do globo.
Até a Idade Média, o trabalho infantil esteve vinculado à complementação do sustento familiar, de modo que era raro para o benefício de outras pessoas. Já no Feudalismo, esse tipo de exploração da mão de obra infantil acontecia para o favorecimento dos senhores feudais, pois as crianças eram vistas como aprendizes dos mestres artesãos.
Mas foi durante a Revolução Industrial que esse tipo de exploração atingiu seu auge. Nas primeiras fábricas europeias, a utilização do trabalho infantil era vista como uma mão de obra muito mais barata, principalmente em comparação à força de trabalho masculina.
Durante esse período, era muito comum que crianças a partir dos quatro anos de idade fossem exploradas em jornadas diárias de até 14 horas, recebendo em troca basicamente moradia e alimentação.
Esse cenário levou a inúmeras crianças mutiladas nos maquinários e até mesmo mortas em acidentes nas fábricas. Tudo isso sem contar os constantes abusos aos quais elas eram submetidas, de castigos severos a exploração sexual.
Causas do trabalho infantil
São muitos motivos que levam a um quadro de exploração do trabalho infantil. A entrada de uma criança ao mercado de trabalho pode vir de vários fatores, sendo que, basicamente, podem acontecer sob duas motivações: a situação familiar ou um cenário externo.
Pobreza e falta de perspectiva de futuro são alguns dos fatores que mais estimulam a inserção de menores como mão de obra, sendo que a realidade de cada país também exerce uma importante influência nesse caso.
- Pobreza familiar: Um dos principais fatores que leva uma criança a começar a trabalhar é a situação de pobreza e miséria familiar, o que seduz os menores a tentar complementar a renda. Esse trabalho dependerá muito da realidade dos indivíduos, de modo que o trabalho na zona rural acontece diferentemente dos centros urbanos, onde a mendicância é muito forte.
- Educação de baixa qualidade: A percepção da baixa qualidade das escolas públicas pode ser uma causa do trabalho infantil. Quando o jovem ou sua família não enxerga uma perspectiva de futuro proporcionada pelas instituições de ensino, é comum observar o abandono escolar e a consequente entrada em trabalhos informais. Esse tipo de cenário é mais comum para crianças entre 10 a 14 anos.
- Naturalidade: Existe países que infelizmente enxergam essa prática como uma situação natural. Esse quadro é responsável por facilitar a entrada de crianças no mercado de trabalho, transpondo a barreira moral que protege a integridade dos menores de idade.
- Trabalho familiar: Muitas famílias acabam por explorar as próprias crianças como uma maneira de reduzir custos, principalmente na realização de trabalhos domésticos. Além do trabalho nas próprias residências, famílias também podem empregar seus filhos em empresas ou na zona rural.
- Trabalho para terceiros: Mesmo sendo crime, o trabalho infantil ainda é explorado por muitas empresas, pelos mesmos motivos da época da Revolução Industrial. Ainda que mais raro no Brasil (mas não inexistente), esse fenômeno ocorre em vários países de situação econômica fragilizada.
Consequências
A exploração traz uma série de consequências para as crianças que se encontram nesse tipo de situação. Além dos aspectos psicológicos e educacionais, os menores também são impactados em seu próprio desenvolvimento físico.
Crianças e adolescentes que se encontram em uma situação de exploração como mão de obra apresentam graves problemas de saúde. Esses podem ir da fadiga excessiva ao desenvolvimento de problemas respiratórios, ansiedade, irritabilidade e distúrbios de sono.
Menores de idade se encontram em pleno estágio de desenvolvimento físico e o esforço físico trazido pelo trabalho infantil prejudica o crescimento, podendo lesionar a coluna e levar até mesmo à produção de deformidades.
Sem contar que, dependendo da atividade à qual são submetidas, essas crianças podem sofrer com fraturas, amputações e outros ferimentos graves.
Impactos psicológicos
O contexto social do trabalho no qual as crianças são submetidas pode impactá-las psicologicamente de maneira muito forte. A capacidade dessas pessoas de se relacionar e aprender são pontos graves que sofrem com o trabalho infantil.
Além disso, condições precárias de trabalho, muito comuns em cenários de exploração de crianças como mão de obra, levam a abusos físicos, sexuais e emocionais, ocasionando uma série de doenças psicológicas.
A carga de responsabilidade e pressão também pode trazer sérios problemas, principalmente em quadros familiares nos quais a criança é a principal responsável pela maior parte da renda familiar.
Essa inversão de valores pode causar uma série de dificuldades para uma criança, que não deveria ter que passar por isso.
Impactos educacionais
O aspecto educacional também é fortemente impactado. Crianças que trabalham apresentam grandes dificuldades no aprendizado escolar, levando ao abandono. Isso quando não largam a escola para poder começar a trabalhar.
Quando a criança continua na escola ao mesmo tempo em que trabalha, as notas sofrem uma queda brusca, fazendo com que fiquem desestimuladas, frustradas e com o futuro comprometido.
Autorreforma do PSB
A Autorreforma do PSB defende, a exemplo do acolhimento que se dá às crianças com as creches públicas, condições de moradia que garantam anos tranquilos de vida com suas famílias, ou, alternativamente, em ambientes sociais que respeitem suas limitações e lhes garantam conforto e saúde.
Lei sobre o trabalho infantil
Cada país tem uma legislação específica para determinar qual a idade mínima de inserção no mercado de trabalho. Dessa forma, qualquer trabalho de indivíduos que não atingiram esse piso de idade é visto como crime.
De modo geral, a maioria das legislações é regida por uma recomendação da OIT, que, no artigo 7º da Convenção nº 138, diz:
“A legislação nacional poderá permitir o emprego ou trabalho de pessoas de treze a quinze anos de idade, em trabalhos leves, com a condição de que estes:
a) não sejam suscetíveis de prejudicar a saúde ou o desenvolvimento dos referidos menores;
b) não sejam de tal natureza que possam prejudicar sua frequência escolar, sua participação em programas de orientação ou formação profissionais, aprovados pela autoridade competente, ou o aproveitamento do ensino que recebem.”
No Brasil, a legislação é bastante clara, sendo que:
- Até os 14 anos de idade, o trabalho infantil é completamente proibido;
- Entre 14 e 16 anos de idade, é proibido, exceto na condição de menor aprendiz;
- Entre 16 e 18 anos há uma permissão parcial, que proíbe trabalhos noturnos, em condições insalubres, perigosas ou penosas, de modo que o Decreto nº 6.481/2008 lista 93 tipos de atividades, consideradas as piores formas de trabalho infantil.
No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é a principal arma legislativa para fiscalizar e punir empresas ou responsáveis pelo emprego de mão de obra infantil.
Com informações da Unicef e Agência Brasil