
O Senado Federal aprovou projeto de lei (PL 5516/19) que prevê regras para transformar clubes de futebol em empresas, na quinta-feira (10). O Marco Legal do Clube-Empresa segue agora para análise da Câmara dos Deputados.
A proposta propõe a criação de uma Sociedade Anônima do Futebol (SAF), que envolve um conjunto de regras para o mercado do futebol, com base nos moldes de negócios da Espanha e Portugal. O jornalista e pesquisador da Universidade de Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Irlan Simões fala que o projeto pode colocar os clubes como reféns de grupos privados. Atualmente os times são, em sua maioria, entidades civis sem fins lucrativos.
Segundo a proposta, o SAF cuidará apenas o futebol feminino e masculino. Assim outras modalidades esportivas não poderão migrar para a Sociedade, o texto também inviabiliza que entidades se tornem empresas, como a Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
Segundo especialistas é “mau negócio”
Igor Serrano, advogado especialista em Direito Esportivo explica que a empresa que assume a gestão de futebol não está assumindo o clube, apenas o futebol.
“A empresa que assume a gestão, em tese, não pode ser responsabilizada por uma dívida que ela não contraiu. Funciona da seguinte forma: um clube associação desportiva sem fins lucrativos, em tese, não pode ser comprado. Uma empresa assume a gestão do futebol profissional e fica responsável pelos lucros e gastos ao longo de sua gestão”.
Igor Serrano
Já para o consultor esportivo, Amir Somoggi, diretor da Sports Value, empresa especializada em marketing esportivo, diz que a SAF não elimina os principais problemas do futebol brasileiro: a sonegação de impostos e o endividamento dos clubes.
“O projeto não garante o fortalecimento do futebol. Não tem nada ali que garanta que o futebol brasileiro saia do atoleiro e tenha boas gestões. Não é uma canetada de um deputado que vai mudar 30 anos de sonegação fiscal e má administração, transformando em gestões modernas e numa economia pujante.”
Amir Somoggi
Amir ainda diz que o PL faz um excesso de mentiras quando fala em melhorar a gestão dos clubes, ampliar o valor do mercado e aumentar as receitas dos clubes. O consultor afirma que é a mesma lógica neoliberal que privatiza os serviços públicos, com o argumento de “melhorar a eficiência de serviços”.
“Não é verdade que os clubes que viram empresas são mais bem geridos e ficam mais ricos. Os times europeus são mais ricos porque a economia de lá é melhor. No Brasil, tivemos clubes que viraram empresas e caíram nas mãos de grupos privados inescrupulosos, trazendo problemas para esses clubes. Bahia, Vitória e Figueirense são exemplos. Você vai ter o Cuiabá, agora, como um exemplo positivo, mas será um dos tantos clubes que aparecem e morrem, em pouco tempo”.
Amir Somoggi
Cenário europeu de clubes-empresas
Há vários exemplos de clubes que viraram empresa e seguiram ou tiveram sérios problemas administrativos. Os torcedores do Manchester United, da Inglaterra sempre fazem protestos contra os donos do time, a família Glazer, que é detentora de 90% das ações do clube. Amir Somoggi crítica esse modelo de times na bolsa de valores, pois quando o time ganha as ações sobem e quando perde, caiem.
O Málaga, da Espanha foi comprado em 2010 por um xeique do Catar Abdullah bin Nasser. Em 2012 conseguiu a inédita classificação para a Champions Legue, porém, pouco depois o clube teve diversas punições por dívidas acumuladas e atrasos de salários. O málaga acabou sendo punido das competições europeias e hoje está na segunda divisão do Campeonato Espanhol.
Em Portugal tem o exemplo mais trágico da Sociedade Anônima, Belenenses é um dos times mais tradicionais do país e foi vendido em 2012 com um acordo prévio de prioridade na recompra das ações. Porém a empresa que adquiriu o clube não quis vender. Os sócios torcedores tiveram que criar um novo time para disputar a última liga portuguesa de futebol.
Claro que há equipes bem-sucedidas nesse modelo, como Manchester City, PSG e Juventus. Mas a exceção não faz a regra. Segundo a PL há nove equipes com dívidas acima dos 200 milhões de reais, não haverá empresas para assumir e pagar essas dívidas. Também existe o problema de mudarem a identidade do clube, como o Bragantino que agora é Red Bull Bragantino e mudou a cor do uniforme e até o emblema.
Segundo César Grafietti, economista e consultor do banco Itaú de temas relacionados às finanças do futebol . “Não vai chegar um xeique no Brasil com um 1 bilhão de reais. Pode ter certeza. Não acredito em mágica, de que um investidor chegue no Brasil, em um clube que deve mais de R$ 700 milhões, como o Corinthians, com esse dinheiro para curar as dívidas, mais 500 milhões para folha salarial. Acreditar que o clube-empresa vai ser a solução de tudo é um pouco de ilusão” comentou.
Com informações do G1