
No mês de luta pela vida das mulheres, contra o machismo, a misoginia e o desmonte de direitos que atinge em cheio a população feminina, sobretudo as mulheres negras e periféricas, uma das inúmeras polêmicas deflagradas no Brasil do obscurantismo é uma matéria legislativa que institui a distribuição gratuita de absorventes.
Há vários atores nesse episódio. As deputadas federais Tábata Amaral (PDT-SP) e Marília Arraes (PT-PE), o ministro da Educação Abraham Weintraub, a antropóloga e militante feminista Débora Diniz e, as mais importantes, milhares de meninas e mulheres em situação de vulnerabilidade social que têm limitado o direito de ir e vir, de trabalhar e de estudar e de exercer a dignidade humana por falta de recursos para comprar absorventes.
Entendendo a treta
A pernambucana Marília acusou a colega Tabata de copiar um projeto de lei de autoria dela, apresentado em 2019, que prevê distribuição gratuita de absorventes higiênicos em locais públicos.
Segundo a jornalista Mônica Bergamo, o gabinete da Tábata chegou a pedir que a petista ficasse com a relatoria da proposta, o que não ocorreu. A parlamentar paulista apresentou este ano um projeto com o mesmo objetivo do da petista.
“O natural seria ela ter me procurado para que nós duas, junto com a relatora do meu projeto [a deputada Natália Bonavides], buscássemos algo que contemplasse as duas propostas. E não divulgar a ideia como se tivesse partido dela”, disse Marília Arraes à coluna da Folha.
Tabata contestou a colega e afirmou que não tinha conhecimento do projeto da parlamentar de Pernambuco. Além disso, destacou que depois da apresentação do projeto por Marília, um deputado homem também teria apresentado um projeto similar, mas que Marília não havia se pronunciado a respeito.
Vale lembrar que basta uma pesquisa no site da Câmara dos Deputados para localizar matérias que tratam de assuntos similares.
“O meu time pediu a relatoria, como faz sempre em propostas de áreas em que atuo, e ela foi negada, como acontece com vários pedidos. Eu não tinha conhecimento do projeto”, afirmou Tabata. “Está me parecendo muito estranha essa postura dela [Marília]”, acrescentou.
A parlamentar paulista referiu-se ao Projeto de Lei 3085/19, que prevê isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para os absorventes femininos, de autoria do deputado federal André Fufuca (PP-MA). O parlamentar, na justificação da matéria, destacou a importância de se garantir a isenção tributária diante da dificuldade de acesso a produtos de higiene íntima por mulheres e meninas de baixa renda.
Piada machista
No sábado, 7, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, como de praxe, debochou no Twitter da proposta com agressões machistas, dizendo que o nome da “estatal” que produziria o material poderia ser “CHICOBRÁS?” ou “MenstruaBR”.
A antropóloga e professora universitária, Débora Diniz, que desenvolve projetos de pesquisa sobre bioética, feminismo e direitos humanos, rebateu a fala machista do ministro.
O que diz a proposta
Ao justificar a proposta, Tabata explica que a dificuldade de acesso a absorventes é objeto de denúncias e iniciativas em todo o mundo nos últimos tempos.
“Falta de recursos, constrangimento, absenteísmo escolar ou de trabalho, vários problemas estão sendo expostos e cabe a esta Casa apontar rumos para solucionar a chamada pobreza menstrual no Brasil”, afirma o texto.
A parlamentar destaca que o uso de materiais inadequados como jornal, papel higiênico, miolo de pão ou tecidos e ainda a troca infrequente dos absorventes, por motivo de economia, podem trazer riscos para a saúde como infecções. Alguns países buscam enfrentar a questão por meio da oferta em escolas; outros reduziram impostos sobre absorventes.
“Pensamos em expandir o alcance dessas iniciativas no sentido de possibilitar a distribuição em todos os espaços públicos. Deixamos claro que as minúcias para a implementação serão disciplinadas pelas normas regulamentadoras. Acrescentamos ainda a ênfase à escolha de produtos sustentáveis com vistas à diminuição do impacto ambiental de absorventes tradicionais feitos com intenso uso de plásticos e demais derivados de petróleo. Nossa iniciativa apresenta alternativa para ampliar o acesso da população feminina a absorventes higiênicos”, justifica.
Já o projeto apresentado por Marília Arraes (PL 4968/19) cria um programa de distribuição gratuita de absorventes higiênicos para todas as alunas das escolas públicas de nível fundamental e médio, por meio de cotas mensais. Conforme a proposta, o programa seria financiado pelo Ministério da Saúde e implementado mediante a adesão dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.
A despeito da disputa por protagonismo nessa matéria legislativa para construir uma política pública, o mais importante é assegurar que essa meninas e mulheres não vivam no limbo social em decorrência de serem mulheres e menstruarem.