Gosto, no entanto, de atribuir essa “neurose” de honestidade, ao sentido da revolução que de alguma forma, sempre pautei minha atividade política. A ideia de que estando onde estivesse, fazendo o que tivesse que fazer, individual ou coletivamente, o militante deve buscar o que de mais revolucionário e transformador possa ser realizado. E nessa direção, colocar um tijolo a mais que seja na construção de uma nova sociedade. Quando adolescente quis ser um “profissional do Partido”, recebendo de meu pai, o advogado comunista Dante Leonelli, a lição de que a revolução não era obra de revolucionários profissionais, mas do homem comum. Não me convenci completamente. E quando as circunstancias me levaram à vida política, ou melhor para uma carreira política tradicional, voltou-me a obsessão do revolucionário profissional. E é essa obsessão, talvez neurótica, que me faz acreditar que se pode assaltar um banco para financiar a revolução, mas não se pode tirar um tostão de escolas, hospitais ou criação de empregos, para financiar eleições individuais. Ou para enriquecimento pessoal.
Sei que este raciocínio tem muitos furos. Mas, afora essa questão moral, talvez, discutível, acho que a perda do sentido da revolução tem outras implicações mais objetivas em relação a esquerda. Principalmente no que diz respeito à esquerda em governos republicanos e democráticos. Implicações que envolvem os quadros do governo, os militantes e até as pessoas comuns, os trabalhadores, os pequenos empresários, os intelectuais, os artistas e especialmente a juventude, que quando não possuem um grande objetivo social e econômico tendem a se deixar envolver pelo egoísmo, pelo consumismo desenfreado, pela competição predatória, típicas do capitalismo.
São os valores socialistas e do trabalho que proporcionam substância revolucionária aos compromissos morais e éticos com a honestidade, a prevalência do público em relação ao privado, do coletivo em relação ao individual.
Lembro-me de relatos sobre estudantes chineses na Inglaterra na década de 70, que se recusavam a participar das deliciosas, e merecidas farras em momentos de folga, para se concentrarem nos estudos. Não porque fossem anormais ou tristes, mas porque estavam em missão revolucionária para levar para a China máximo de conhecimento. E porquê? Porque a China tinha e tem um projeto de Revolução. Uma construção coletiva – muito além da Longa Marcha ou da guerra – em que todos se sentiam proprietários, sócios de um projeto.
A China, inclusive comparou a corrupção com crimes de traição nacional e aplicou, muitas vezes a pena de morte.
A ausência do sentido da revolução produz efeitos negativos sobre os governos de esquerda, sobre a militância e sobre a população como um todo, essa ausência estimula ainda o pragmatismo nefasto e sem princípios, que tomou conta da atividade política. O pragmatismo que se revela em cada aspecto da realidade e do governo em que nos conformamos com o menos. Para que, por exemplo, uma verdadeira revolução educacional, que nos eleve à condição de player internacional num mundo onde predomina a economia do conhecimento, se já aumentamos as vagas das universidades? Para que um projeto econômico que contemple a modernização da indústria, os investimentos em ativos intangíveis ligados à criatividade, se já concedemos isenções fiscais à indústria automobilística? Para que mudar as regras do jogo político, se já compramos a maioria parlamentar e Lula continua campeão das pesquisas? Para que uma reforma tributária se ampliamos o Bolsa Família. A impressão é que a esquerda brasileira, notadamente o PT, passou a responder com o passado as demandas mais profundas do presente e do futuro. Não compreendeu que só a mudança contínua e crescente justificaria e sustentaria sua chegada ao governo. E que essas mudanças só poderiam se dar com a pré-existência de um projeto transformador da sociedade. Afinal, continua verdadeiro o axioma leninista segundo o qual não há revolução sem teoria revolucionária. Adaptando para os dias atuais não há transformação sem um projeto nacional.
15 de maio de 2017
Domingos Leonelli
Presidente do Instituto Pensar
Ex-Deputado Federal